Habitação
Portugal tem uma das maiores crises habitacionais da Europa, revela estudo
Dezembro 19, 2024 · 10:12 am
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Portugal tem uma das maiores crises habitacionais da Europa, apresentando a pior relação entre rendimentos e preços da habitação desde que há dados, revela um estudo publicado esta semana pela associação Causa Pública.
O relatório “Portugal tem uma das maiores crises habitacionais da Europa”, coordenado pelo economista Guilherme Rodrigues, com redação de Ana Drago, João Reis, Guilherme Ferreira e Nuno Serra, analisa a última década (2013-2023) concluindo que os preços da habitação em Portugal mais do que duplicaram (121%), “o que representa um aumento real (acima da inflação) de 81%”.
Variação é mais do dobro da OCDE
A variação real dos preços da habitação em Portugal na última década é mais do dobro da verificada na OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico) e quatro vezes mais do que na Zona Euro, revela o estudo.
O caso português “foi mesmo o que mais se deteriorou” em todos os 38 países da OCDE e, na última década, os preços de compra de habitação “mais do que duplicaram em Lisboa, Porto e Algarve”.
Apesar de notarem que o aumento real dos preços da habitação é um fenómeno à escala global, a variação portuguesa é mais do dobro da registada na média (cerca de 40%) das economias desenvolvidas da OCDE e mais de quatro vezes a registada na Zona Euro, que apresenta uma variação real abaixo dos 20%.
Rendimentos não acompanharam crescimento
Para a Causa Pública, o período atual dos último dez anos registou, em Portugal, um “forte aumento dos preços da habitação, com os rendimentos a não serem capazes de os acompanhar” e esta tendência “continuou mesmo durante o período de pandemia e da posterior subida das taxas de juro”.
“O aumento dos preços da habitação ao longo de 2024 não sugere uma inversão da tendência”, avisou a associação.
Outros dados revelam que, em média e no mesmo período, os preços da habitação em Portugal cresceram 6,1 pontos percentuais por ano acima da taxa de inflação, enquanto os rendimentos, nas mesmas condições, apenas cresceram 0,9 pontos percentuais.
“Portugal está assim no pelotão da frente em termos de aumento dos preços reais da habitação: é o quarto país da OCDE com aumentos mais relevantes, o segundo da União Europeia e o primeiro da Zona Euro”, vincou a Causa Pública.
Os autores argumentam que noutros países onde existiram, igualmente, grandes aumentos nos preços do imobiliário (casos da Hungria ou da Irlanda), o crescimento dos rendimentos permitiu que, em média, a população acomodasse parte do aumento de preços observado no mercado da habitação, o que não sucedeu em Portugal.
“Pelo contrário, se tivermos em conta a dinâmica entre a evolução dos rendimentos e dos preços da habitação, a posição relativa de Portugal deteriorou-se. Em Portugal, o agravamento do índice de acessibilidade habitacional tem sido muito superior à média da OCDE, da Zona Euro e dos restantes países do Sul da Europa”, observaram.
Lisboa, Porto e Algarve com maiores aumentos
O estudo também indica, aliás, que no mesmo período, Portugal surge como o país da OCDE em que este índice mais se deteriorou.
“O facto de Portugal estar numa trajetória mais drástica do que países como o Canadá e a Nova Zelândia, que, entre outras políticas, recorreram a medidas heterodoxas como a proibição de compra de imóveis por não residentes, mostra o grau de gravidade e a urgência da crise habitacional nacional”, frisaram.
Já sobre os preços praticados no território português, estes apontam para mais do dobro do custo de uma habitação entre 2013 e 2024 – a que corresponde um aumento médio de 7,2% ao ano – com a Área Metropolitana de Lisboa (Grande Lisboa e Península de Setúbal), a Área Metropolitana do Porto e o Algarve a registarem os maiores aumentos de preços.
Já o Alto Tâmega e Barroso, Douro e o Alto Alentejo foram as regiões que tiveram aumentos de preços muito inferiores à média nacional.
Dinâmicas turísticas com impacto
“Estes fortes aumentos contribuem para que a taxa de sobrecarga das despesas em habitação (agregados familiares cujo peso das despesas associadas à habitação é superior a 40%) seja maior no Algarve, seguindo-se a Área Metropolitana de Lisboa”, assinalaram.
Ainda segundo a Causa Pública, a crise habitacional “ao incidir de forma particular na Grande Lisboa, Península de Setúbal e Área Metropolitana Porto, a par do seu impacto no Algarve, mais relacionado com as dinâmicas turísticas”, assume um caráter essencialmente metropolitano.
“Sendo Portugal um dos países com uma das crises mais graves de habitação entre as economias avançadas, a Área Metropolitana de Lisboa constitui o epicentro dessa crise”, enfatizou a associação.
Um dos menores parques públicos da OCDE
O relatório indica ainda que Portugal “tem um dos menores parques de habitação pública e social da OCDE” e que este “não se expandiu na última década”, o que vem dificultar uma eventual capacidade de regulação do mercado e resposta à atual crise de habitação, “expondo de forma particularmente crítica a população mais pobre às dinâmicas de mercado”, avisam os autores.
A Causa Pública assinalou, ainda, que o aumento do peso do imobiliário prejudica toda a economia: “não só devido ao agravamento dos custos de produção diretos (custos com arrendamento e compra de espaço), como indiretos (atração de mão-de-obra qualificada)”.
Argumentou que estas duas dinâmicas, quando conjugadas, dificultam o desenvolvimento dos setores mais produtivos e inovadores, essenciais para a melhoria da qualidade de vida da população.
Definindo-se como uma associação em que os seus elementos se dizem empenhados na “construção de novos caminhos para Portugal, através do debate público e participado sobre o modelo de desenvolvimento e as opções de governação do país, a partir de diferentes perspetivas da esquerda portuguesa”, a Causa Pública assume como seus valores fundamentais a defesa do bem comum, a democracia, a igualdade e a sustentabilidade.