Os nossos adolescentes estão seguros?
Março 27, 2025 · 4:16 pm
"Adolescência", Netflix
A série britânica “Adolescência”, atualmente em exibição na Netflix, tem gerado intensos debates sobre a segurança dos adolescentes, especialmente no que diz respeito à sua exposição às redes sociais e influências online.
Embora tenha estreado há pouco tempo, a série já bateu recordes de visualizações e, além da mestria técnica, tem trazido à ribalta a discussão de vários temas que, não sendo novos, surgem agora como prementes.
Se ainda não foi arrastado para nenhuma conversa sobre o assunto, é possível que ande algo alienado nas últimas semanas. Parece que enquanto sociedade precisávamos de nos confrontar com este enorme elefante na sala e “Adolescência” foi o pretexto ideal. O debate em torno de uma parentalidade mais consciente está na ordem do dia.
“Adolescência”: a série de que todos falam
A série conta a história de Jamie Miller, um jovem de 13 anos acusado do homicídio brutal de uma colega de escola e explora temas como bullying, misoginia, radicalização de jovens, violência decorrente das redes sociais e do papel de determinadas comunidades online na formação de adolescentes.
Muito mais do que a trama centrada na procura de “quem cometeu” o crime, aprofunda-se o “porquê”, sem a pretensão de ter respostas definitivas e levantando muitas questões. Se é verdade que “Adolescência” não aponta culpados, também é certo que não absolve ninguém: família, escola, comunidade, legisladores. Fica a pergunta: podíamos ter feito mais? Podemos fazer mais?
Numa das cenas da série, os pais de Jamie resumem aquele que parece ser o dilema de grande parte das famílias, quase todas pouco preparadas para garantir a segurança de crianças e jovens online.
Se aos pais de gerações anteriores parecia bastar que os filhos estivessem em casa para garantir a sua segurança, tal deixou de ser verdade. Para os pais de hoje é ainda difícil aceitar que, no resguardo do seu quarto, um jovem está sujeito aos maiores perigos. Se está no quarto dele, não está seguro?
Os jovens não estão seguros em casa?
Os fossos entre gerações existem desde sempre, mas é inevitável que a aceleração tecnológica das últimas décadas cave mais fundo as diferenças entre pais e filhos.
O computador, o smartphone, o tablet são portas abertas ao mundo e não nos enganemos sobre o poder extraordinário, para o melhor e para o pior, de uma porta aberta.
Não se trata de uma demonização das tecnologias, mas de uma tomada de consciência dos riscos que existem online e que vão muito além de uma certa alienação provocada pela excessiva exposição a ecrãs.
Por um lado, temos jovens que, talvez devido a uma certa virtualização das relações, parecem “gamificar” agressões, violência, vida e morte. A ligação mediada com o próprio corpo que se faz através da imagem ainda causa estranheza aos mais velhos: o toque é trocado pelo nude, o emoji toma o lugar da palavra, o adolescente já não se descobre no reflexo do espelho, encontra-se afinal na selfie.
Como filtrar o que veem? Os conteúdos a que acedem? O que lhes mostram os amigos? Na sociedade do imediato, da glorificação do prazer instantâneo, como ensinar aos adolescentes a aceitação da frustração como parte do nosso processo de crescimento, como se educa para a resiliência e para a empatia? Como traçar limites sem implodir pontes?
No outro lado, o dos adultos, embora a reflexão aconteça, há poucas ferramentas, pouco conhecimento, pouca experiência com estas questões.
Mas cabe apenas aos pais descobrir como lidar com as novas problemáticas geradas pelos conteúdos online? Qual o papel dos outros? Da comunidade, das escolas, das empresas tecnológicas, dos governos? Enquanto sociedade, não devemos também fazer mais?

Foto de cottonbro studio no Pexels
Discussão chegou ao parlamento britânico
A discussão em torno de “Adolescência” chegou ao parlamento britânico, onde o primeiro-ministro Keir Starmer manifestou preocupação com a violência juvenil influenciada por conteúdos online, e destacou a “violência perpetrada por homens jovens, influenciados pelo que veem na Internet” como um problema real a combater.
Na série, a influência da manosfera e das comunidades de incels (involuntary celibates, ou celibatários involuntários) é determinante para o desenrolar da trama. Estas subculturas online, compostas por homens que culpam as mulheres e a sociedade pela sua falta de sucesso amoroso e sexual são uma realidade crescente onde jovens podem ser expostos a discursos misóginos e radicais e incentivados a comportamentos extremos sobretudo contra meninas e mulheres.
O criador da série, Jack Thorne, manifestou o desejo de que “Adolescência” seja exibida em escolas e parlamentos, visando fomentar discussões sobre a crise que afeta muitos jovens atualmente.
A pressão por parte das populações pode levar a uma maior regulação das redes sociais e plataformas. Esta regulação é essencial num cenário onde os algoritmos são desenhados para maximizar o tempo de permanência dos utilizadores, muitas vezes promovendo conteúdos sensacionalistas ou violentos. Estes sistemas identificam o engajamento – mesmo que motivado pela curiosidade – como interesse, reforçando a exposição a material potencialmente prejudicial porque isso maximiza o número de visualizações e, consequentemente, o lucro com publicidade.
Sem um maior controlo e transparência sobre o funcionamento destas plataformas, os adolescentes podem ser facilmente arrastados para espirais de radicalização, desinformação e conteúdos nocivos, tornando urgente uma intervenção legislativa eficaz.
Limitações e proibições são o caminho?
Do lado do utilizador, as possíveis medidas políticas e legislativas para proteger os adolescentes, como a proibição de telemóveis nas escolas ou a limitação de acesso a redes sociais, não são consensuais.
A Austrália avançou com proibição de telemóveis nas escolas e, em novembro de 2024, fez história sendo o primeiro país a aprovar uma lei que proíbe as redes sociais a menores de 16 anos.
Um relatório da UNESCO, atualizado em janeiro deste ano, defende que retirar os telemóveis das escolas, de acordo com estudos realizados na Bélgica, Espanha e Reino Unido, melhora os resultados da aprendizagem, traz benefícios para a concentração, a autoestima e no combate ao bullying.
De acordo com os dados divulgados pela UNESCO, no final de 2023, as restrições ao uso de telemóveis nas escolas tinham sido aplicadas em 60 países, enquanto no início de janeiro de 2025 este número subiu para 79 países, o que corresponde a 40% dos sistemas educativos.
O relatório enfatiza ainda que a tecnologia deve ser usada de forma equilibrada e acompanhada de orientações educativas sobre os seus riscos e oportunidades.
A restrição ao uso de telemóveis nas escolas pode ter um impacto positivo, mas dificilmente será panaceia para toda a extensão do problema. A relação com a internet continua além do espaço escolar e requer supervisão. Pensar que a responsabilidade da comunidade escolar se limita ao espaço físico do estabelecimento de ensino é uma demissão de envolvimento que não contribui com soluções.
Importa, pois, fazer esta reflexão coletiva de como podemos garantir a segurança dos nossos adolescentes no ambiente doméstico e escolar, especialmente no que diz respeito à sua interação com o mundo digital.
O panorama nacional: um problema crescente
A realidade portuguesa não é diferente daquela que é retratada em “Adolescência”. Os jovens são altamente vulneráveis. A versão provisória do mais recente Relatório Anual de Segurança Interna (RASI) alerta para a crescente radicalização de jovens portugueses, aliciados online por grupos de extrema-direita e organizações islâmicas.
Segundo o documento, esses grupos utilizam a inteligência artificial para produzir conteúdos dirigidos a um público cada vez mais jovem, disseminando mensagens extremistas em plataformas de gaming e redes sociais.
A Polícia Judiciária (PJ) identificou ainda uma tendência preocupante: a utilização de meios digitais para recrutar menores, alguns com menos de 16 anos, para movimentos descentralizados de extrema-direita. Esta estratégia, segundo as autoridades, representa uma ameaça real e não pode ser desvalorizada.
“A evolução deste fenómeno nos últimos anos impõe que a ameaça representada por eventuais atores solitários de extrema-direita, sobretudo menores de idade, não possa ser desprezada”, refere o relatório.
Pornografia e criminalidade sexual
Outro problema apontado pelo RASI é o acesso facilitado a pornografia e a criminalidade sexual entre menores, o que estará não só a criar vítimas como também perpetradores de abusos sexuais muito jovens. Há referências a ofensores menores com idades entre os 12 e os 16 anos.
O relatório destaca que plataformas como Discord e WhatsApp têm sido usadas para envolver crianças e adolescentes na partilha de conteúdos inapropriados. Foram identificados grupos criados por menores de 10 a 13 anos, nos quais são divulgados conteúdos pornográficos e de extrema violência.
O documento refere ainda uma “elevada prevalência” de distribuição de pornografia através de redes como Instagram, Telegram e YouTube, além da Darknet, onde adultos continuam a partilhar conteúdos de abuso e exploração sexual de crianças.
Emojis com duplo sentido
Para além dos conteúdos extremistas e da criminalidade digital, há também códigos subtis que escapam à vigilância parental, como o duplo sentido dos emojis nas conversas online.
Esta semana, a Polícia de Segurança Pública (PSP) alertou pais e educadores para os riscos da era digital, sublinhando, em comunicado, a importância de monitorizar a atividade online dos jovens. Um dos perigos identificados é o duplo sentido dos emojis, que podem ter significados ocultos em conversas sobre sexo ou drogas.

Fonte: PSP
Como garantir a segurança dos adolescentes?
Esta é a pergunta que todos fazem e para a qual não há ainda soluções definitivas, mas muitas respostas tentativas. Perante o cenário atual, cabe aos pais, educadores e decisores políticos tomar medidas para garantir um ambiente seguro para os adolescentes, mesmo dentro de casa. Algumas sugestões incluem:
- Educação digital: Ensinar crianças e jovens sobre os riscos da Internet, ajudando-os a identificar e prevenir situações perigosas. Esta aprendizagem deve ser acompanhada pelos adultos que, tantas vezes, desconhecem o mundo digital.
- Monitorização parental: Utilizar ferramentas de controlo parental para restringir o acesso a conteúdo inadequado e acompanhar a atividade online dos filhos.
- Diálogo aberto: Criar um ambiente de confiança onde os adolescentes se sintam seguros para partilhar preocupações e experiências online, sem recriminações.
- Regras claras: Limites de tempo e de utilização, por exemplo, não permitindo o uso de telemóveis no quarto.
- Legislação mais rigorosa: Pressionar para que sejam implementadas medidas legais que protejam os menores da exposição a conteúdos nocivos e do aliciamento online.
- Regulação das redes sociais: Exigir que as plataformas digitais sejam mais rigorosas na proteção de menores e na remoção de conteúdo inadequado não deixar os adolescentes (e não só) entregues ao “fatalismo” dos algoritmos.
A parentalidade é sempre desafiadora e, certamente, muitas outras gerações sentiram medo do desconhecido. Contudo, apesar da dimensão das provações que ficaram para trás, nunca nenhuma geração teve filhos nascidos e criados com smartphones, por isso, estamos em águas desconhecidas.
A boa notícia é que podemos navegar esta onda de mediatismo para procurar coletivamente soluções para o tema. Se uma história ficcional, inspirada em vários episódios reais, tem o poder de provocar tantas conversas, é porque estas estavam à espera de acontecer.
Se antes trancar a porta de casa bastava para proteger um filho, hoje essa segurança exige uma parentalidade mais consciente, diálogo aberto e políticas eficazes. Estamos preparados para isso?