Ricardo Guimarães

Diretor da Confidencial Imobiliário

Opinião

Vamos mesmo abdicar de 40% do turismo, 4,6% do PIB e 300 mil empregos?

4 Outubro, 2023 · 06:00

Após os dramáticos terramotos que recentemente abalaram Marrocos e, concretamente, a cidade de Marraquexe, a prioridade das autoridades locais focou-se na recuperação dos monumentos e locais históricos ou culturais. Faz sentido este tipo de opção face à alternativa evidente de recuperação das casas?

Num quadro catastrófico, com milhares de perdas de vidas humanas, prejuízos materiais enormes e devastação, salvaguardado o apoio às vítimas e o resgate de sobreviventes, a mensagem das autoridades para a comunidade internacional foi a de total empenho na reposição da normalidade possível para a retoma da atividade turística. Antes de qualquer outra coisa, a sua preocupação foi permitir que a economia regressasse a funcionar o mais depressa possível para, a partir daí, promover o mais célere regresso da normalidade à vida das populações.

Evidentemente, não disponho de informação fina sobre este processo, qual a efetiva correspondência à realidade no terreno. No entanto, inquestionavelmente, essa foi a mensagem e a maior preocupação: assegurar o funcionamento da economia, focando no turismo.

Salvaguardando todas as diferenças que separam o desastre em causa da situação em que está a economia nacional, em resultado da súbita e substancial alteração do contexto monetário, é interessante olhar para as diferenças de estratégia e conduta.


"Os sinais vindos do norte da Europa, especialmente da Alemanha, são preocupantes, com um claro arrefecimento e, mesmo, recessão."




Os anos que se avizinham serão no mínimo desafiantes. Os sinais vindos do norte da Europa, especialmente da Alemanha, são preocupantes, com um claro arrefecimento e, mesmo, recessão. Portugal tem resistido relativamente bem à mudança de ciclo, beneficiando de uma nova posição geoeconómica emergente da pandemia e reforçada com a guerra na Ucrânia.

Não obstante, ignorar ou minorar os impactos da situação nas maiores economias europeias é um erro de análise que nos pode custar caro. Desde logo do ponto de vista do investimento e do emprego, duas dimensões absolutamente chave para fazer face ao futuro próximo.

Todo o equilíbrio vigente assenta no pressuposto da estabilidade do emprego. Mesmo ao nível das contas públicas, uma das áreas de maior sucesso da atual governação. Num quadro de inversão de ciclo, entram em campo os chamados “estabilizadores automáticos”, um eufemismo para dinâmicas económicas que, por um lado, levam à perda de receita (em resultado da quebra da atividade e do rendimento) e, por outro, ao aumento das despesas (pelo crescimento da despesa em subsídios de desemprego e outros apoios sociais).

A nossa memória é curta e seletiva, parecendo uma bizarria falar em tema tão aborrecido. Todos esperamos que assim se mantenha e que, por um qualquer milagre, escapemos pelos pingos da chuva.

No entanto, manda a prudência que não sejamos incautos e tomemos o futuro por necessariamente melhor do que o presente e o passado, mesmo que estejamos, e bem, otimistas.


"Vou repetir: o alojamento local é responsável por 4,6% do PIB e por mais de 300 mil empregos."


Ora é neste quadro que se reforça a perplexidade das medidas do “Mais Habitação”, desde logo quanto ao mercado de alojamento local.

Foi surpreendente ver como foram lançadas políticas muito provavelmente sem qualquer base em estudos quantitativos que as permitissem avaliar. É criticável, mas em todo o caso seriam sempre orientações políticas legítimas em democracia.

Mais complicado de compreender é o facto dessas políticas se manterem quando já há dados à disposição, desde logo os que foram apresentados em resultado do estudo da Universidade Nova, pela mão do economista Pedro Brinca: direta e indiretamente, o alojamento local é responsável por 4,6% do PIB e por mais de 300 mil empregos. Vou repetir: o alojamento local é responsável por 4,6% do PIB e por mais de 300 mil empregos.

À primeira vista, tais números podem parecer desproporcionados. No entanto, é o próprio Eurostat quem atribui ao alojamento local a responsabilidade por cerca de 40% das dormidas de turistas em Portugal, uma quota que explica bem aqueles dados, refletindo o seu impacto em toda a economia, atingindo setores como a agricultura, a indústria transformadora ou os serviços artísticos.

Agora não se pode alegar desconhecimento ou apelar à sorte para que corra bem. O “Mais Habitação” prevê: fim das novas licenças, risco de caducidade das vigentes, intransmissibilidade e asfixia fiscal das operações. Resultado? O mesmo é dizer, o fim desse setor de atividade.

Estamos em condições de pôr em causa 40% do turismo, 4,6% do PIB e 300 mil empregos?

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