Ricardo Guimarães

Diretor da Confidencial Imobiliário

Opinião

Temos coragem para subir o IMI, redistribuindo a crise de acesso à habitação?

4 Novembro, 2025 · 09:03

A forma como os preços sobem em Portugal gera elevada perplexidade. Conforme recentemente se pôde observar, uma perplexidade justificada não só pelo nível atual de preços, mas, acima de tudo, pelo aparente comportamento do mercado que, parece, quanto mais construção tem, ao invés de embaratecer, mais encarece, contrariando as leis da oferta e da procura.

A ideia de que o mercado segue um curso determinado pela vontade de um conjunto de operadores, que o manipulam para seu benefício, é objetivamente uma leitura simplista e maniqueísta, vendo o seu funcionamento em função de um racional moral, de opressores versus vítimas, bons versus maus. Há certamente bons e maus neste mercado. De resto como em todos os lugares onde há pessoas.

No entanto, a natureza atomizada dos agentes económicos intervenientes, seja do lado do investimento (promotores imobiliários) ou do lado da produção (empreiteiros), é incompatível com uma conduta de conluio que conduza a resultados distanciados do equilíbrio geral, um equilíbrio que é independente da natureza potencialmente maléfica de qualquer operador. Se o mercado não tem agentes dominantes e opera em concorrência, todos são price-takers, e os resultados são obtidos pela dinâmica natural da ação de todos.

Isso não significa que os resultados sejam bons. Só significa que a identificação das causas com condutas (ideologicamente) imorais é um esforço inútil ou mesmo contraproducente, por desviar a atenção da raiz das coisas, contribuindo para a sua agudização.


"A ideia de que o mercado segue um curso determinado pela vontade de um conjunto de operadores, que o manipulam para seu benefício, é objetivamente uma leitura simplista".


Se todos os agentes fazem as suas escolhas em concorrência e os resultados não são socialmente os melhores, importa ver quais são os fatores que restringem a liberdade de ação que conduza a um resultado mais adequado.

Uma metodologia aceitável para esse fim é dialogar com os operadores e compreender o quadro em que desenvolvem a sua atividade. Fazendo esse exercício facilmente se listam fatores de rigidez que inibem uma maior aproximação entre o equilíbrio de mercado e o desiderato social.

Retomando os obstáculos à atividade enumerados no Portuguese Investment Survey, que produzimos com a associação dos promotores imobiliários (APPII), está tudo mais do que estudado, identificado, enumerado, debatido e elencado: licenciamento, carga fiscal, preços dos solos e custos de construção.

É confrangedor ver como, perante a evidência dos obstáculos à promoção de habitação acessível, em muitos fóruns o foco persista no ónus moral em vez da severa exigência da remoção dos fatores que oneram o investimento e, com este, elevam o preço das casas.


"É confrangedor ver como, perante a evidência dos obstáculos à promoção de habitação acessível, em muitos fóruns o foco persista no ónus moral em vez da severa exigência da remoção dos fatores que oneram o investimento".


Num exercício que realizei a partir de mapas reais de modelação do preço de venda de imóveis, pude verificar que está ao alcance dos poderes públicos reduzir o preço da venda de fogos novos, no limite até 40% a 50% dos preços atuais. É um exercício sem ambições científicas, mas que permite perceber que se (i) reduzirmos o IVA para 6%, (ii) lançarmos um novo RERU (Regime Excepcional da Reabilitação Urbana), agora para a obra nova, reduzindo os requisitos construtivos (estacionamentos, mobilidade reduzida, acústica, …), (iii) isentarmos o IMT dos terrenos e (iv) reduzirmos as taxas urbanísticas, (v) aumentarmos a edificabilidade (contra a contratualização da venda a preços acessíveis) e (vi) reduzirmos o IRC, uma operação que esteja no mercado a 5.000 euros/m2, pode descer para 2.600 euros/m2, sem com isso perder atratividade para o promotor imobiliário, que veria a sua rentabilidade inalterada.

Para muitos, salvaguardar a rentabilidade do promotor pode parecer imoral. Novamente…. Mas é mesmo essencial, pois torna a escolha entre a gama alta ou média uma mera preferência e não uma necessidade. Sim, uma necessidade, pois atualmente somente a gama alta é viável, suportando todos os custos de operação.

Mas, claro, só é possível baixar impostos se houver alternativas de coleta. Ora, nem por acaso há. Apesar de altamente impopulares….

Como explicar que, se de 2015 a 2024 os preços subiram 85%, nesse período a receita de IMI tenha aumento em apenas 7%? Como explicar que o VPT assente numa estatística de custo de construção inferior a 600 euros/m2, se é quase impossível edificar pelo dobro? Como explicar que os beneficiários da crise, que viram os seus imóveis valorizar, não sejam chamados para a equação?

Temos coragem para subir o IMI, redistribuindo a crise de acesso à habitação?

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