Ricardo Guimarães

Diretor da Confidencial Imobiliário

Opinião

São os juros, não os jovens….

4 Novembro, 2024 · 17:25

No final do ano 2021, a Euribor a 12 meses estava em -0,5%. Com a entrada em 2022, subiu sucessivamente, acumulando sete trimestres de aumento, com mais dois de estagnação. No total, a Euribor aumentou em mais de 4,5 pontos percentuais.

No final do ano 2021, o mercado residencial atingiu um recorde de 44,1 mil transações no Continente (parte decorrente dos adiamentos provocados pela pandemia). Com a entrada em 2022, as vendas caíram sucessivamente, acumulando seis trimestres de perda, mais três de estagnação. No total, o número de vendas caiu mais de 25%.

No final do ano 2021, os preços habitacionais aumentavam a uma taxa trimestral em torno dos 4%, chegando a superar os 5% nos dois trimestres seguintes. Com a entrada em 2022, mas em especial no segundo semestre, houve uma clara desaceleração, com a valorização trimestral a cair para apenas 1,5% em Novembro, num processo que levou a valorização anual de cerca de 20% em meados desse ano para cerca de 11% no final de 2023.


"Mais juros, menos procura; menos procura, menos valorização. Menos juros, mais procura; mais procura, mais valorização. Em especial num mercado de oferta rígida e lenta."


Iniciado 2024, a Euribor deu sinais de descida. No primeiro trimestre e até junho não descendo dos 3,7%, mas depois, de forma robusta, reduzindo em 100 pontos base, para 2,7%, neste caso, ainda distante do patamar de 2019, mas claramente numa trajetória de desagravamento, alavancada numa inflação de 1,7% na zona euro (já agora, muito em linha com a inflação de 1,6% observada em dezembro de 2019).

Iniciado 2024, as vendas deram sinais de subida. No primeiro trimestre com números contraditórios entre o SIR e o INE (o primeiro mais assente em contratos-promessa e o segundo em escrituras), mas depois, de forma robusta, com dois trimestres consecutivos de aumento. Assim, chegados ao terceiro trimestre, os dados SIR apontam para incremento de 16% face ao mesmo trimestre de 2023, posicionando o número de vendas nas 38 mil, acima da média trimestral de 2019.

Iniciado 2024, o índice de preços deu sinais de subida. A valorização trimestral teve um pico de 3,7% logo em janeiro. Ainda assim, dada a trajetória anterior, a valorização anual continuou a desacelerar, atingindo um mínimo de 7,5% em julho último, a mais baixa dos últimos sete anos, equiparando apenas aos anos da pandemia, marcados por fortes quedas nas vendas. No entanto, chegados a Setembro, os dados mostram já um incremento de 80 pontos base no índice, com a valorização anual a recuperar para os 8,3%.

Mesmo que com relativas simplificações, o relato paralelo das trajetórias dos juros, número de vendas e dos preços deixa bem patente (julgo eu) o quanto o mercado funciona de forma mecânica e dentro do expectável. Mais juros, menos procura; menos procura, menos valorização. Menos juros, mais procura; mais procura, mais valorização. Em especial num mercado de oferta rígida e lenta.


"Infelizmente estas medidas são curtas, beneficiando somente a pequena parcela de jovens com rendimento para aceder a crédito. Não são estas medidas que estão a mais. São as demais que estão a menos, em especial no arrendamento."


Apesar do elo umbilical aos juros, a dinâmica da procura não é explicada somente pelas famílias que acedem à habitação via crédito. O efeito alcança os investidores que dependem das expectativas de mercado para a tomada de decisão, tendo menos propensão para entrar num ciclo com risco de perda. Também estes, ao verem “a maré virar” acabam por avançar, cientes de que o tempo passa agora a correr contra o adiamento das decisões de compra.

Tenho sido (abundantemente) abordado pela imprensa para comentar o «impacto que as medidas para os jovens estão a ter no aumento dos preços das casas», pois «desde que se anunciaram essas medidas, os preços voltaram a subir» e «os dados do INE até já mostram um aumento das vendas» (isso apesar de tais dados serem do 2.º trimestre e as medidas para os jovens terem entrado em vigor somente no 3.º trimestre…).

Não faltam “notícias” sobre essa “realidade”. Umas suportando-se nas outras, para não caírem, e mesmo suportando comentadores que, citando-as, se suportam mutuamente. Numa em concreto, ressalvava-se que «os especialistas […] ouvidos […] consideram que a subida dos preços se deve essencialmente à redução das taxas de juro», mas era uma nota de rodapé. O título estava dado.

Infelizmente estas medidas são curtas, beneficiando somente a pequena parcela de jovens com rendimento para aceder a crédito. Não são estas medidas que estão a mais. São as demais que estão a menos, em especial no arrendamento.

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