Luís Mário Nunes
CEO da ComprarCasa Portugal
Opinião
CEO da ComprarCasa Portugal
Opinião
Uma das maiores mentiras deste século é a da grande democratização do conhecimento graças à revolução digital.
Foi-nos dito que, com toda a informação do mundo à distância de um clique, seríamos mais inteligentes, mais críticos e mais capazes de tomar decisões informadas. Lamento, mas, salvo melhor opinião, fomos enganados.
Se é verdade que nunca tivemos tanto acesso à informação, não é menos verdade que nunca estivemos tão vulneráveis à manipulação.
Hoje, os algoritmos definem a nossa realidade. Eles decidem o que lemos, o que vemos e até o que pensamos. E o mais perigoso de tudo, mal percebemos que as elites corporativas possuem a fórmula mágica para hackear os nossos cérebros.
Antes, a ignorância era um problema de acesso: quem não tinha livros, educação ou professores era relegado às trevas da ignorância. Hoje, a ignorância é voluntária. Não pensamos porque não queremos. Para quê analisar se o algoritmo já fez isso por nós? É mais confortável operar no modo rebanho.
Criámos um mundo em que a informação é abundante, mas o pensamento crítico é escasso.
Acreditamos que estamos mais informados do que nunca, quando na verdade somos mais previsíveis, mais manipuláveis e mais fáceis de influenciar do que nunca.
Cada vez que acedemos a uma qualquer rede social, o algoritmo já decidiu o que iremos ver. Não porque seja o mais relevante para o nosso conhecimento, mas porque é o que gera mais “engajamento”, o que mais nos retém e o que maximiza a nossa permanência em cada plataforma. Já não somos nós que escolhemos; é o sistema que o faz por nós.
"A sobrecarga de informação não nos tornou mais sábios, tornou-nos mais dependentes."
O Google não mostra o conteúdo que nos torna melhor, ele mostra o mais otimizado para o nosso negócio. A inteligência artificial não é projetada para aprendermos, mas para confiarmos cegamente em respostas embaladas, sem questionar a origem ou confiabilidade.
E o pior de tudo: já nos habituámos… e gostamos. Gostamos da conveniência de não ter de pensar muito. É mais fácil reagir com um like, um retweet ou um comentário impulsivo do que parar para analisar, contrastar e refletir. Tornámo-nos consumidores passivos de informação pré-digerida.
Somos bulímicos emocionais. Consumimos e vomitamos emoções sem tempo para digeri-las.
A pergunta que se coloca é: continuamos a raciocinar ou só reagimos a estímulos?
Se perguntarmos a alguém à nossa volta se têm o controle sobre o que consomem na internet, a maioria responderá que sim. Dirão que escolhem o que ler, o que assistir e em que acreditar. Mas isso é uma ilusão. Vivemos numa MATRIX.
A realidade é que não escolhemos; mas eles escolhem por nós. Os algoritmos predizem as nossas preferências e moldam-nas. Somos apresentados a uma versão do mundo projetada para maximizar a nossa permanência nas plataformas, não para expandir o nosso pensamento crítico.
Imagine que entra numa livraria onde só pode ver livros selecionados por uma inteligência artificial que analisou os seus hábitos de leitura anteriores. Não há possibilidade de explorar livremente, apenas o que o sistema determinou que você vai “gostar”.
Isso é exatamente o que acontece toda as vezes que acedemos às redes sociais. Tudo é filtrado e otimizado para reforçar aquilo em que já acreditamos. Se lemos sempre notícias que confirmam a nossa ideologia, o algoritmo continuará a dar-nos mais do mesmo. Se interagimos com determinados tópicos, esses tópicos aparecerão no nosso feed todos os dias.
Dizem-nos que o algoritmo nos ajuda a descobrir, quando na verdade fecha-nos numa bolha de validação. E quanto mais confortável for essa bolha, menos questionamos o que nos rodeia.
Gostamos de pensar que temos livre-arbítrio, mas a realidade é que o design das plataformas é projetado para hackear os nossos instintos mais básicos.
"A questão já não é saber se somos livres de escolher. A questão é: temos consciência de que estamos a ser escolhidos?"
Nunca antes na história tivemos tanto acesso à informação, mas nunca fomos tão fáceis de influenciar.
A sobrecarga de informação não nos tornou mais sábios, tornou-nos mais dependentes.
Em vez de analisar, contrastar e duvidar, reagimos aos estímulos que nos são apresentados. Em vez de ler e refletir, digitalizamos e compartilhamos. Em vez de raciocinar, deixamo-nos levar por impulsos concebidos por máquinas que foram configuradas para influenciar o nosso comportamento.
A questão já não é saber se somos livres de escolher. A questão é: temos consciência de que estamos a ser escolhidos?
Não percebemos que as nossas mentes foram sequestradas porque o rapto não foi forçado. Não houve uma tomada violenta de conhecimento ou uma proibição explícita de pensar. Pelo contrário: seduziram-nos com comodidade, com acessibilidade, com entretenimento sem esforço.
Deram-nos um suprimento infinito de informações envolventes, mas viciantes, que substituem a necessidade de pensar, analisar, contrastar ou aprofundar mais. Fomos reféns de um sistema que alimenta a nossa gratificação instantânea à custa da nossa capacidade de raciocinar. E o pior de tudo, nós agradecemos.
O pensamento crítico é o hábito de interrogar a nossa realidade antes de a defender sem mais delongas.
Precisamos de abrandar a nossa relação com a informação. O imediatismo é inimigo da análise e, hoje, somos constantemente pressionados a consumir conteúdo rápido e fragmentado.
O pensamento crítico requer parar, aprofundar e contrastar ideias. Retome a leitura de textos longos, ouça argumentos completos em vez de assistir a clipes projetados para gerar reações. Permitam-nos o tempo necessário para formar uma opinião bem fundamentada.
Convenceram-nos de que, ao termos acesso ilimitado à informação, somos mais sábios, mais críticos e mais independentes. Mas a realidade é que nunca fomos tão fáceis de manipular.
Não pense que o pensamento crítico é apenas mais uma habilidade, uma daquelas que são facilmente adquiridas quando você se dedica a isso. O pensamento crítico, juntamente com a inteligência emocional, são, talvez, duas das meta-habilidades mais necessárias hoje, mas mais difíceis de desenvolver, porque exigem um esforço tremendo: questionar o que sua mente prefere acreditar.
Se não queremos tornar-nos autómatos digitais, devemos recuperar o controle das nossas mentes. Devemos revisitar perguntas desconfortáveis, buscar ativamente informações que desafiem as nossas crenças e aprender a desconfiar do que nos é servido. O conforto do imediato é inimigo da lucidez.