Patrícia Barão
Head of Residential na JLL
Head of Residential na JLL
Parece lógico que, se o escoamento de um determinado produto reduz, o preço pelo qual é vendido tende a não subir. Ainda para mais em aquisições de longa-duração, como são uma casa ou um carro. Mas a verdade é que não tem sido assim.
Os dados do INE-Instituto Nacional de Estatística mostram que no 2º trimestre deste ano as vendas de habitação no país desceram 2,5% em termos trimestrais e quase 23% face ao mesmo período do ano passado. É o quarto trimestre consecutivo em que as vendas caem, mas os preços, esses, continuam a subir: 8,7% em termos homólogos e 3,1% em termos trimestrais. Dados mais recentes da Confidencial Imobiliário já relativos a agosto mostram que, apesar de haver um abrandamento na valorização, os preços continuam a sua trajetória positiva (aumento mensal de 0,8% em agosto).
Mas como se explica esta aparente contradição, ainda para mais numa altura em que os juros para o crédito à habitação dispararam? É especulação de quem constrói? São os estrangeiros que inflacionam os preços?…
Para cada casa nova que surge no mercado, temos procura para comprar nove. De um desencontro deste tipo, só pode resultar pressão para subir os preços.
São muitas as teorias, mas a resposta é bastante simples: os preços têm subido (e continuam a subir) porque não temos atualmente oferta para dar resposta à imensa procura. E se restam dúvidas, isto é fácil de comprovar.
Os números de desequilíbrio entre oferta e procura não enganam. Nos últimos quatro anos e meio, foram transacionadas cerca de 694.100 casas em Portugal, mas concluídas apenas 80.200. Ou seja, para cada casa nova que surge no mercado, temos procura para comprar nove. De um desencontro deste tipo, só pode resultar pressão para subir os preços.
Por outro lado, temos uma estrutura de mercado que desconstrói as teorias de especulação de investidores e da influência dos estrangeiros na inflação da habitação. Os mesmos números do INE mostram que:
1) 83% das casas vendidas nestes último quatro anos e meio são usadas, o que significa que a esmagadora maioria das transações acontece entre particulares, pelo que a formulação dos preços também é feita entre privados;
2) 86% das casas transacionadas foram compradas por famílias, o que volta a desconstruir a teoria de que são os investidores com ambições especulativas que estão a comprar casas em Portugal; e
3) apenas 6% das casas vendidas foram compradas por estrangeiros nesse período. Acresce que habitualmente os estrangeiros dirigem as suas compras para segmentos de preço mais elevados e com maior foco em centros urbanos.
Os dados da Confidencial Imobiliário relativos às compras por estrangeiros em Lisboa, que é o mercado mais apetecível para estes compradores, mostram que os não-residentes investiram uma média de €540.000 por casa (2ºSem.2022). E mesmo no núcleo Central de Lisboa, são os portugueses quem mais compra, fazendo 71% das aquisições de habitação. Em suma, dificilmente apenas uma franja da procura, que representa menos de 10% do mercado, que se foca num leque estreito de localizações e em casas de valor superior a €500.000 teria capacidade para influenciar o mercado residencial de todo o país.
Traduzindo, são os portugueses, as famílias e os particulares que fazem o mercado português de habitação!
"Há uma tendência de alargamento geográfico da procura, que considera agora mercados mais afastados onde a relação qualidade de vida/preço é muito atrativa."
Feito este fact check, naturalmente que, no contexto macroeconómico atual (porque as famílias perderam poder de compra e porque o acesso ao crédito está mais caro e difícil), é natural que a procura se mantenha mais contida do que no passado recente, mas numa tendência de estabilização no curto-prazo. Todavia a procura não vai eclipsar-se: sempre haverá necessidade de comprar ou mudar de casa porque nos casamos, porque nos divorciamos, porque temos mais um filho, porque mudamos de emprego, porque a nossa vida muda…
Por outro lado, dado o nível de preços atingido em localizações mais centrais e nas grandes cidades, há uma tendência de alargamento geográfico da procura, que considera agora mercados mais afastados onde a relação qualidade de vida/preço é muito atrativa. Na Área Metropolitana de Lisboa, concelhos como o Barreiro, Seixal ou Setúbal são ótimos exemplos de mercados a emergir.
Por último, a reposição da oferta, que é lenta, não vai acelerar. Apesar do aumento dos custos de construção ter abrandado, a carga fiscal é pesada, os processos de licenciamento continuam a demorar muito tempo, o que associado ao já demorado ciclo de produção imobiliária, tem sido dramático. A estes ingredientes, adicionou-se a instabilidade e incerteza das novas medidas do programa Mais Habitação, que têm prejudicado a confiança dos promotores.
Ou seja, nem se espera um choque de procura nem uma “inundação” de nova oferta, pelo que, mesmo na conjuntura económica mais difícil, os preços vão continuar a subir.
Naturalmente, no contexto do ritmo forte das subidas dos últimos anos, podem subir menos, mas a tendência vai continuar a ser de crescimento, especialmente nos mercados com maior aquecimento de procura. Não tenhamos, assim, enganos: a estabilização dos preços só ocorrerá à medida que a oferta aumentar. E para a oferta aumentar é preciso cativar quem desenvolve e constrói as casas.