Luís Mário Nunes
CEO da ComprarCasa Portugal
CEO da ComprarCasa Portugal
A habitação, tal como tem sido habitual nos últimos anos, é um dos temas mais fraturantes do dia a dia.
Não há nenhum político que não tenha uma opinião formada sobre o tema; não há nenhum evento no âmbito económico em que não surja a problemática da habitação, não fosse esta um direito consagrado na Constituição portuguesa.
O panorama que vivemos já há alguns anos assenta na escassez de inventário, o que, pela tradicional elasticidade da oferta, faz com que os preços não deixem de incrementar. Aparentemente, começam a ter crescimentos menos acentuados.
Os dados mais recentes do INE comprovam isso mesmo. A recente descida dos juros no crédito habitação, por si só, não está a estimular a compra de casas em Portugal. Isto porque nos primeiros três meses de 2024 foram vendidas menos 4,1% de habitações do que no trimestre homólogo. Esta menor procura por casas ainda não compensa a tão reduzida oferta de imobiliário, pelo que os preços, mesmo de forma menos expressiva, tenham subido 7% entre estes dois momentos.
Mas este não é um dilema de hoje, mas sim de há alguns anos. É, na nossa opinião, o grande desafio que hoje enfrenta o mercado imobiliário, a acessibilidade… ou falta dela.
Uma das razões que agrava a dificuldade de acesso à habitação é a carestia do preço das casas disponíveis no mercado, comparada com o nível dos rendimentos da população que procura habitação. Um indicador para medir esta inacessibilidade à habitação é o rácio preço/rendimento, que relaciona o índice de preços na habitação com o rendimento per capita. Segundo os dados da OCDE para a habitação, Portugal tinha, em 2023, o mais elevado rácio preço/rendimento da União Europeia.
Apesar da melhoria do rendimento per capita, a aceleração do aumento do preço da habitação foi o fator que mais pesou na falta de acesso à habitação a partir de 2016.
E esta é uma realidade que entidades credíveis estimam que se mantenha. A agência de notação financeira, Fitch, considera que os “desafios no acesso à habitação persistam, uma vez que os ganhos de rendimento nominal das famílias projetados em 2024-25 são globalmente iguais às expectativas da tendência dos preços da habitação”. Segundo a Fitch, o valor médio nacional do preço da habitação em relação ao rendimento familiar bruto anual deverá manter-se entre 5,5 vezes e 6,0 vezes em Portugal.
"A população jovem, desde logo, possui salários e instabilidade laboral. E, depois, existe pouca oferta de casas a preços compatíveis com os seus rendimentos e o crédito habitação continua caro, já que os juros se mantêm em alta apesar dos ligeiros recuos sentidos nos últimos meses."
Este é um desafio transversal, que não escolhe idades. O acesso à habitação a preços acessíveis é uma preocupação social fundamental, especialmente para famílias jovens e compradores de “primeira viagem” com pouca capacidade de poupança.
A população jovem, desde logo, possui baixos salários e instabilidade laboral. E, depois, existe pouca oferta de casas a preços compatíveis com os seus rendimentos e o crédito habitação continua caro, já que os juros se mantêm em alta, apesar dos ligeiros recuos sentidos nos últimos meses.
De modo a contornar estes obstáculos, os decisores políticos têm anunciado novas medidas de apoio, particularmente aos jovens com idades inferiores a 35 anos, tendo aprovado recentemente o Programa “Tens Futuro em Portugal”.
Este pacote de medidas, que entrará em vigor no início de agosto deste ano, prevê a isenção de IMT, Imposto de Selo e emolumentos, assim como uma garantia pública de até 15% do preço nos imóveis até 450 mil euros para viabilizar a concessão de crédito à primeira habitação, bem como o alargamento do Programa Porta 65 Jovem no âmbito do arrendamento (esta medida entrará em vigor um mês depois).
Não pretendendo entrar no detalhe de cada um dos instrumentos, particularmente em todos os seus requisitos, parece-me importante evidenciar, de cada um deles, um pequeno resumo que possa explicar a sua intenção e alcance.
Assim, no caso da Isenção do IMT e Imposto de Selo, caso estejamos perante uma aquisição de um imóvel urbano para habitação própria permanente, por parte de um jovem (18 a 35 anos de idade), a transmissão de propriedade estará isenta daqueles impostos, desde que o valor patrimonial tributário, ou o valor de aquisição (o maior) não ultrapasse os € 316.633,45;
No caso da Garantia Pública, para facilitar o acesso ao crédito habitação, o Governo introduziu uma garantia pública que cobre até 15% do valor do imóvel (valor máximo de 450 mil euros). Esta medida é crucial, pois permite que os jovens com domicílio em território nacional (com as idades já mencionadas) possam obter um financiamento a 100% do valor do imóvel, desde que os seus rendimentos se enquadrem até ao 8º escalão de IRS (cerca de € 5.800,00 por mês), não sejam proprietários de outros imóveis urbanos, nem nunca tenham usufruído de qualquer garantia pública do Estado.
E, por fim, no instrumento “Porta 65 Jovem”, deixa de existir uma renda máxima como fator de exclusão ao programa, passam a ser suficientes 3 recibos de vencimento em alternativa à Declaração de IRS, passa a existir a possibilidade de os jovens poderem candidatar-se ao programa antes de procurar um imóvel no mercado, permitindo uma maior operacionalidade e um novo sistema mensal de candidatura baseado no rendimento e agregado familiar, garantindo apoio prioritário aos casos mais necessitados.
"No entanto, comecei esta minha participação por partilhar que o problema fundamental assenta na falta de inventário; todas estas medidas que, reforço, são importantes, assentam no apoio à procura e não na dinamização de oferta."
Não tenho qualquer tipo de dúvidas que, com estas medidas, o Governo pretende facilitar a compra da primeira casa e o acesso ao arrendamento para os jovens. As isenções fiscais, a garantia pública no crédito habitação e as melhorias no Programa Porta 65 Jovem representam passos significativos para ajudar a enfrentar os desafios do mercado imobiliário atual.
No entanto, comecei esta minha participação por partilhar que o problema fundamental assenta na falta de inventário; todas estas medidas que, reforço, são importantes, assentam no apoio à procura e não na dinamização da oferta.
Considero que seria fundamental, para além de apoios à procura, existirem dinâmicas que potenciassem a produção, medidas de apoio à construção.
No fundo, embora estas novas ajudas à compra de casa pelos jovens sejam bem-vindas, os incentivos não vão chegar para resolver a atual crise de acesso à habitação que assola Portugal. Desde logo, os apoios não abrangem toda a população que necessita de comprar casa. E, depois, o verdadeiro problema passa pela falta de oferta de habitação e pelos elevados preços das casas, que continuam a subir (embora de forma mais lenta).