Luís Mário Nunes

CEO da ComprarCasa Portugal

Opinião

Inteligência Moral: o terceiro pilar do Ser Humano

23 Abril, 2025 · 15:14

A inteligência emocional e financeira são importantes, mas, na realidade, não basta saber gerir o que sentimos, ou mesmo garantir uma almofada financeira. Para o bem-estar autêntico – aquele que se sustenta para além de picos de sucesso ou solavancos emocionais – precisamos de uma terceira camada: uma inteligência mais profunda e menos conhecida:  a inteligência moral.

Podemos ser emocionalmente equilibrados e financeiramente estáveis e ainda vivermos longe do que realmente importa. De uma dimensão mais essencial.

É por isso que partilho um modelo mais completo. Um sistema operacional com três núcleos interconectados:


  • A Inteligência emocional (IE), que nos permite regular as nossas emoções.

  • A inteligência financeira (IF), que nos permite sobreviver num mundo onde o dinheiro é o novo oxigénio e, sem ele, sufocamos.

  • E inteligência moral (IM) que nos permite orientarmo-nos, dar sentido às nossas vidas e construir os nossos próprios critérios num mundo tão polarizado como o de hoje.


Sem o primeiro, teremos dificuldade em construir relacionamentos e viveremos em conflito permanente. Sem o segundo, andaremos angustiados e permanentemente preocupados. E sem o terceiro… sentir-nos-emos vazios e viveremos permanentemente insatisfeitos.

A inteligência moral é uma terminologia que, talvez, poucas pessoas conheçam, apesar de ser essencial para alcançar um bem-estar mais sustentável. Nas linhas seguintes tentaremos analisar porque precisamos não só de desenvolver a nossa inteligência emocional e financeira, mas também a inteligência moral, para nos sentirmos verdadeiramente realizados.


"A inteligência moral não é uma habilidade que se adquire através de um MBA, nem aparece nas ofertas de emprego como um requisito desejável para os candidatos."


Temos tudo, mas ainda nos sentimos vazios por dentro.

Habituámo-nos a falar de bem-estar como se de uma fórmula de laboratório se tratasse. Durma oito horas, pratique exercício três vezes por semana, alimente-se de forma saudável, medite dez minutos por dia, saiba dizer não, trabalhe com propósito, tenha tempo para si. A lista é interminável. Às vezes, parece uma corrida de longa distância para nos tornarmos a melhor versão de nós mesmos, mesmo que ninguém saiba realmente o que isso significa. Toda uma indústria de bem-estar foi gerada que promete equilíbrio emocional, abundância financeira e uma vida gratificante se seguirmos os passos certos.

Por mais que falemos de bem-estar. Por mais que a economia melhore. As pessoas ainda se sentem incompletas.

Se refletirmos sobre isso, perceberemos que algo no discurso atual é profundamente funcional, mas existencialmente vazio. Como se estivéssemos construindo casas que parecem impecáveis do lado de fora, mas assentam em alicerces muito instáveis.

Temos técnicas para aprender a respirar e acalmar a ansiedade, mas não refletimos sobre o motivo pelo qual estamos permanentemente ansiosos. Sabemos cada vez mais sobre literacia financeira, como poupar, investir e tirar mais proveito do nosso dinheiro, mas não fazemos ideia para que queremos o dinheiro, para além de desfrutar a curto prazo.

Dizemos a nós mesmos que está tudo bem, mas evitamos olhar para dentro de nós caso se verifique que, na realidade, algo está errado.

Essa dissonância interna não desaparece com afirmações positivas. Desaparece, ou pelo menos transforma-se, quando ousamos fazer-nos perguntas incómodas: estou a viver em coerência com os meus valores? Aliás, quais são os meus valores? Vivo a vida que quero ou apenas sigo o guião que os outros escreveram para mim?

O bem-estar sustentável precisa de mais do que apenas alguns hábitos saudáveis e alguma estabilidade financeira. Precisa de significado, propósito. Uma bússola ética. E essa bússola não é construída com algumas aplicações que nos ajudam a seguir rotinas de exercícios, contar calorias ou investir no mercado de ações. Constrói-se com consciência.

A inteligência moral não é uma habilidade que se adquire através de um MBA, nem aparece nas ofertas de emprego como um requisito desejável para os candidatos.

Embora poucas pessoas falem sobre ela, quanto mais praticá-la, é a inteligência moral que nos permite tomar decisões difíceis em momentos complexos. Aquela que nos ajuda a distinguir entre o que é conveniente e o que faz sentido. Aquela que nos lembra que nem tudo o que pode ser feito, deve ser feito. E que nem tudo o que é permitido, está bem. É o que dá sentido às nossas vidas. É o que nos torna pessoas verdadeiramente íntegras. A verdadeira realização não surge quando tudo está sob controle, mas quando tudo está em coerência.

De acordo com o estudo “Well-being at Work” da Deloitte, 59% dos trabalhadores no mundo desenvolvido não se sentem verdadeiramente realizados, mesmo que tenham políticas ativas de bem-estar emocional e financeiro nas suas empresas. Não se trata de um problema de falta de recursos, mas de falta de sentido e de coerência interna.

Uma vida emocionalmente regulada e financeiramente estável não é garantia de uma vida significativa. E todos sabemos disso, embora quase ninguém fale sobre isso. Milhões de pessoas no mundo desenvolvido questionam-se todos os dias por que, apesar de ter tudo… ainda lhes falta alguma coisa.

O bem-estar não é apenas uma sensação. É uma consequência de viver alinhado com o que se considera justo, importante e autêntico.


"O verdadeiro desenvolvimento pessoal não consiste em aprender a controlar-se. Consiste em aprender a discernir. E discernir, em tempos de tanto barulho e polarização, é um ato de profunda humanidade."


Mas o que é, efetivamente, a inteligência moral?

Durante séculos, falar sobre moralidade foi reservado a filósofos e teólogos. Durante os primórdios das primeiras sociedades ocidentais avançadas – gregas e romanas – foi o coração da formação do caráter, o eixo que deu sentido ao conhecimento.

Em algum momento – provavelmente quando começamos a confundir educação com formação e cidadania com empregabilidade – filosofia e ética começaram a atrapalhar.

Nos Estados Unidos, no Reino Unido ou mesmo no Japão – com modelos educativos muito diferentes – a ética e a filosofia também perderam terreno para as disciplinas com componente técnica, as competências digitais ou as línguas. A empregabilidade, a produtividade e a capacidade de competir no mercado global são priorizadas, enquanto o pensamento crítico e a reflexão moral são relegados a clubes de debate, assuntos extracurriculares ou, diretamente, ao esquecimento.

O paradoxo é brutal: nunca tivemos tantos recursos para formar melhores pessoas e, no entanto, só formamos funcionários tecnicamente qualificados.

Ensinamos a analisar dados, mas não a analisarmo-nos a nós mesmos. A comunicar ideias, mas não nos perguntarmos se essas ideias são justas. Para competir, mas não para viver juntos. Se me permitem, o modelo educacional produz seres humanos “perdidos”.

Delegámos a cada pessoa a formação moral, como se isso bastasse. O problema é que, se não as equiparmos com as ferramentas, os espaços e o apoio para construir a sua própria bússola ética, elas só podem aprender imitando. E na sociedade atual, em que o sucesso é medido por seguidores das redes sociais e dinheiro – embora ambos tenham sido obtidos com pouca ética – as referências que imitam não são propriamente exemplos em termos morais.

A inteligência moral é um pilar essencial para viver uma vida significativa.

Inteligência Moral define-se como a capacidade de aplicar princípios éticos universais – como integridade, responsabilidade, compaixão e perdão – às nossas decisões diárias. É a capacidade de agir de acordo com os nossos valores, mesmo quando não nos é conveniente. É tomar decisões difíceis porque são as certas, não porque são recompensadas. Ou seja, “não sei” quando todos gritam “sim, claro”, e sustentá-lo sem superioridade moral e sem necessidade de aplausos.

A IM desenvolve-se através da prática constante de três pilares: consciência, coerência e coragem.

A consciência consiste em conhecer-se, observar-se, fazer-se perguntas. Questione as motivações, preconceitos e crenças mais arraigadas. Implica questionar as nossas certezas sem cair no cinismo.

A coerência envolve alinhar o que pensamos, sentimos, dizemos e fazemos. Não basta saber qual é a coisa certa a fazer. Temos de agir em conformidade. Mesmo que ninguém olhe. Mesmo que não seja percetível.

E a coragem é o que nos permite manter essa coerência quando o ambiente nos pressiona a fazer exatamente o contrário. Quando é preciso tomar decisões impopulares, estabelecer limites, denunciar injustiças, manter silêncios.

Pensar com moralidade não é ver a vida a preto e branco. No bem e no mal, amigos e inimigos. É abraçar as nuances sem perder o norte. É exercitar o pensamento crítico não só para desmantelar o que é estranho, mas também para questionar o próprio. Não se trata de ser perfeito. Trata-se de tentar ser coerente e lúcido.

O pensamento crítico, sem base ética, torna-se sarcasmo. E a ética, sem pensamento crítico, torna-se dogma.

A inteligência moral, em suma, não é uma superioridade moral. É uma bússola interna. Não indica quem está certo, mas quem está disposto a realmente buscá-lo, mesmo que isso signifique reconhecer que estava errado.

O verdadeiro desenvolvimento pessoal não consiste em aprender a controlar-se. Consiste em aprender a discernir. E discernir, em tempos de tanto barulho e polarização, como o atual, é um ato de profunda humanidade.

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