Paulo Caiado

Presidente da APEMIP

Opinião

Habitação requer medidas estruturais e reflexão

17 Agosto, 2023 · 13:00

Nem sempre refletimos de imediato, e devidamente, sobre os reais mecanismos que estão por detrás das medidas que vamos vendo a serem implementadas pelo Governo. Quase como se o nosso cérebro não funcionasse “sincronizado” com a Economia. Vejamos, por exemplo, o caso do setor da habitação, sobre o qual ouvimos tantas vezes falar na importância de soluções estruturais, quando na realidade o que está a ser implementado são soluções que nada têm de estrutural, e que mais não são do que uma resposta momentânea a determinado tipo de necessidade.

Por exemplo, quando, nas várias medidas anunciadas, o Governo decide direcionar fundos para o apoio às rendas, está na realidade a apoiar os proprietários, e não os inquilinos. Os verdadeiros beneficiários desse dinheiro serão os proprietários, não os inquilinos.

Quando o Governo pega numa série de dinheiro e apoia as pessoas que têm dificuldade em pagar as prestações das suas casas, quem vai receber esse dinheiro são os bancos, não as pessoas. Isto é, todo esse dinheiro não vai contribuir, de facto, para construir nenhum tipo de solução que seja uma solução que perdure no tempo.  Claro que não nos podemos esquecer da questão da urgência. E, principalmente, a urgência de quem está num sufoco porque precisa de casa, ou de quem não consegue enfrentar determinado tipo de encargo financeiro.

Por isso, é efetivamente importante que o Governo atue. Como é importante que o Governo tenha consciência de que esta atuação deve ser temporária. Os recursos devem ser direcionados para onde verdadeiramente podem ajudar quem precisa, com soluções “sólidas” e que perdurem no tempo.

Muitas destas medidas já foram testadas em vários países, não só na Europa. As ciências da Economia já tiveram a possibilidade de analisar resultados, e aquilo que hoje se sabe é que, quando se atua no mercado do lado da procura, os beneficiários das intervenções financeiras nunca são aqueles que estão a ser apoiados diretamente. Pelo contrário, este tipo de apoios pode, inclusivamente, acabar por ter um efeito perverso no mercado.


"Estas medidas respondem e atendem a uma urgência, mas não solucionam nada a longo prazo, e ainda trazem consigo o risco do tal efeito perverso no mercado."


Imaginemos um cenário em que, numa determinada cidade, as rendas estavam com valores muito elevados, não havia alternativas de oferta, e quem governava a cidade decidia ajudar os mais necessitados a arrendar uma casa.

Enquanto houvesse dinheiro, aparentemente tudo se tranquilizaria, as rendas estavam muito altas, os recursos da cidade eram direcionados para as pessoas que tinham dificuldade em suportar os elevados preços, que no final de cada mês pagariam as respetivas rendas aos proprietários, que pagariam os respetivos impostos.

Na cidade imaginária, qualquer proprietário arrenda o seu imóvel com uma perspetiva de, por um lado, ter maior segurança e estabilidade e, por outro, de conseguir o maior rendimento possível, associado a essa mesma segurança e estabilidade. Na cidade imaginária, para os proprietários, seria irrelevante se o dinheiro com que os seus inquilinos pagavam as rendas, fosse proveniente de um financiamento familiar, autárquico ou outro. O objetivo final é que a renda fosse paga.

Na cidade imaginária, perante a expectativa da subida de preços, se se procurasse simultaneamente limitar os preços por decreto, muitos iriam desistir de investir num negócio cuja rentabilidade estava dependente das políticas da cidade, deixariam de existir perspetivas do aumento da oferta e então tornar-se-ia especialmente difícil “vislumbrar” luz ao fundo do túnel.

Acontece que o dinheiro é um recurso multiusos e limitado, portanto seria bom que nas cidades reais, sem prejuízo do auxílio a quem dele necessita, as medidas implementadas tivessem por principal objetivo estratégico e estrutural aumentar a oferta habitacional.

O imobiliário é lento, temos de estar todos preparados para ser bem possível e previsível, que os preços das casas, quer no mercado de arrendamento, quer no âmbito da compra e venda, continuem a subir. Tal como constatamos neste momento. E porquê? Porque esta subida só vai deixar de ter esta expressão quando do lado da oferta existir, de facto, uma repercussão com significado, que faça com que os preços possam ter outro tipo de composição.

Por isso, é fulcral que o Governo tenha muita atenção a todas as medidas criadas do lado da procura, que, sendo obviamente necessárias, não devem desviar a atenção da urgência de medidas estruturais. Porque estas medidas respondem e atendem a uma urgência, mas não solucionam nada a longo prazo, e ainda trazem consigo o risco do tal efeito perverso no mercado.

Destaques Casa Yes

Os nossos adolescentes estão seguros?

Série da Netflix está a expor uma realidade preocupante: os perigos dentro de casa podem ser maiores do que imagina.

Habitação

Câmara de Lisboa reinicia processo de alteração do Plano de Pormenor das Amoreiras

Alteração ao plano prevê construção de habitação acessível.

Profissionais

Casas no Algarve valorizam mais do que em Lisboa e Porto

Perceba porquê.

Empresas

Portugal é o 3.º destino preferido para investimento hoteleiro na Europa

Saiba quais são os destinos mais atrativos.