Habitação

Nova lei dos solos envolta em polémica

Janeiro 3, 2025 · 12:31 pm
Imagem de Freepik

A alteração ao Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial (RJIGT), publicada em Diário da República nesta segunda-feira e que flexibiliza a lei dos solos permitindo a construção de habitação em solos rústicos, está envolta em polémica.

BE, PCP, Livre e PAN requereram na quinta-feira a apreciação parlamentar do decreto-lei, argumentando que o diploma contribui para a especulação imobiliária e não responde aos problemas na habitação.

O pedido de apreciação parlamentar foi assinado pelos 14 deputados dos quatro partidos e argumenta que esta alteração é feita ao “arrepio do conhecimento científico sobre o desenvolvimento e expansão dos perímetros urbanos” e é contrária à legislação europeia em vigor em matéria ambiental.

O documento lembra ainda que o Presidente da República considerou esta alteração da lei dos solos um “entorse significativo” e a promulgou justificando-se com a urgência do uso de fundos europeus, mas sem considerar que os projetos submetidos no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência no âmbito habitacional e do Primeiro Direito “foram entregues sem que este ‘entorse’ estivesse previsto”.

“Significa isto que esta alteração terá outro fim que não a urgência de responder aos problemas de habitação indigna, de construção de habitação acessível ou até da utilização atempada dos fundos europeus”, pode ler-se no pedido de apreciação entregue na Assembleia da República.

O decreto-lei n.º 117/2024, que altera o Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 80/2015, de 14 de maio) irá permitir a construção e urbanização em terrenos onde atualmente não é possível.

Reclassificação abre portas à “especulação imobiliária”

Os partidos alegam ainda que, ao contrário do que defende o Governo, “não há falta de terrenos urbanos em Portugal” e esse “não é um fator limitativo à edificação” que justifique a alteração à lei.

BE, PCP, Livre e PAN defendem ainda, citando um ‘site’ da autoria dos arquitetos Aitor Varea Oro, Sílvia Jorge e Helena Roseta, que a distinção entre solos rústicos e urbanos é “essencial do ordenamento do território” e que a reclassificação do solo rústico como urbano vai traduzir-se “sistematicamente numa multiplicação de valor e tem grande impacto no mercado fundiário”.

Em conferência de imprensa no parlamento, a coordenadora do Bloco de Esquerda, Mariana Mortágua, anunciou que a iniciativa conjunta tem como objetivo a revogação da alteração promulgada recentemente, considerando que o Governo está a “abrir portas à especulação imobiliária”.

Anunciou ainda que o partido vai pedir a audição parlamentar urgente do ministro das Infraestruturas e Habitação, Miguel Pinto Luz, o ministro Adjunto e da Coesão Territorial, Castro Almeida, de Jorge Moreira da Silva (que era ministro do Ambiente em 2013, quando a lei dos solos foi originalmente aprovada), a Associação ZERO e a arquiteta Helena Roseta.

Mortágua referiu também que não houve um convite ao PS para se juntar a esta iniciativa da esquerda parlamentar e lembrou que foram os socialistas, enquanto Governo, a dar início que deram início ao que diz ser um “processo de liberalização da lei dos solos”.

A porta-voz do PAN Inês de Sousa Real alertou que esta alteração à lei, por atribuir uma maior responsabilidade às autarquias, pode aumentar o risco de corrupção e lamentou o impacto ambiental da decisão.

Helena Roseta critica nova lei

A antiga deputada e especialista em habitação Helena Roseta defende que esta nova medida pode levar a um aumento da especulação imobiliária e dos custos de habitação. considerando que uma medida mais eficaz seria a colocação no mercado “das casas que estão vazias”.

Num artigo de opinião publicado no jornal Público, a arquiteta argumenta que esta flexibilização permite aos proprietários terem enormes valorizações financeiras, o que vai provocar um aumento dos custos da habitação.

A legislação agora aprovada obriga a que pelo menos 70% da área construída seja para habitação dita “de valor moderado”, podendo o restante destinar-se ao mercado livre. Helena Roseta realça o que é considerado um “valor moderado” para o preço da habitação: um valor que não exceda 125% da mediana de preço de venda no concelho, nem 225% da mediana nacional, segundo os últimos dados do INE. Ou seja, “a fórmula permite assim, sistematicamente, valores de venda acima dos valores atualizados do mercado.”

Em suma, sublinha a antiga deputada, “não se trata de uma pequena alteração, mas de uma “entorse significativa”, como reconheceu o Presidente da República ao promulgar o diploma a seguir ao Natal. Passa a permitir-se construir habitação, sem alterar planos em vigor e através da deliberação dos órgãos municipais, mas agora também em solo rústico privado.”

Helena Roseta termina o artigo instando os deputados a usarem o seu poder constitucional de fiscalização do Governo (o que foi feito pelos 14 deputados) e aos cidadãos a alertarem a opinião pública.

A apreciação de decretos-lei é um instrumento de fiscalização legislativa que permite ao parlamento apreciar e fazer alterar ou cessar a vigência do diploma em apreciação e deve ser subscrito por, pelo menos, dez deputados e entregue na Mesa da Assembleia da República nos 30 dias subsequentes à publicação do decreto-lei no Diário da República.

Ministro da Coesão defende aumento da oferta de terrenos

O ministro Adjunto e da Coesão Territorial reafirmou hoje que a alteração na lei dos solos tem como único objetivo aumentar a oferta de terrenos para construir habitação, garantindo a preservação das áreas protegidas.

“É uma mudança estrutural” para “baixar o preço das casas”, escreve Manuel Castro Almeida num artigo de opinião publicado também no jornal Público.

Castro Almeida assegura que “o Governo não vai mexer ou alterar o Plano Diretor Municipal (PDM) de cada concelho: o que a nova lei passa a permitir é que os órgãos autárquicos o façam, se entenderem adequado e necessário”, explica o ministro, considerando que “ninguém melhor que os eleitos locais (…) para ajuizar (…) o que é melhor para as suas terras”.

“Obviamente que terão de decidir no cumprimento das leis e regulamentos em vigor”, garante.

Segundo o Ministro, a lei agora aprovada autoriza a reclassificação de solos numa lógica de consolidação das áreas urbanas existentes, não criando novos centros urbanos, e desde que não abranja certas categorias de solos da Reserva Agrícola Nacional (RAN) ou da Reserva Ecológica Nacional (REN).

“É evidente que em solos com elevada aptidão agrícola ou com riscos ecológicos relevantes não será possível construir”, diz.

Castro Almeida reitera que “a regra estabelecida no decreto-lei agora aprovado limita os preços máximos por metro quadrado, indexando-os à mediana nacional ou à mediana dos preços de venda em cada concelho”, dando como exemplo o preço máximo em Braga que será 1.988 euros por metro quadrado, enquanto em Santarém será 1.661 e em Évora 2.328.

Fonte: Lusa/ Redação

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