Habitação
Ministra da Habitação: Arrendamento de devolutos nunca será solução de larga escala
Junho 9, 2023 · 12:00 pm
Ministra da Habitação, Marina Gonçalves/ Imagem do Portal do Governo
O arrendamento forçado de casas devolutas nunca será uma solução que responda em larga escala ao problema da habitação, reconhece a ministra Marina Gonçalves, mostrando abertura para discutir instrumentos que permitam mobilizar este património com maior assertividade.
Lembrando que a figura do arrendamento forçado para habitações devolutas já existe na lei, a ministra da Habitação, refere, em entrevista à Lusa, que o objetivo da proposta do Governo é tornar este instrumento eficaz.
“Temos de realmente tornar estes instrumentos eficazes na dimensão que eles têm” e ver em que medida respondem, disse a ministra, reconhecendo que este “não é um instrumento em si que vai resolver a política habitacional, nunca será um instrumento que responda em larga escala”, ainda que possa ser muito útil.
Lisboa e Porto não pretendem recorrer a arrendamento forçado
“Aquilo que nós estamos aqui a fazer é acrescentar um instrumento para os municípios, na definição de estratégias, onde muitos destes municípios, estes em concreto [Lisboa e Porto], dizem ter carências habitacionais, têm carências habitacionais e estão a trabalhar para resolver essas carências”, referiu a ministra quando questionada sobre o facto de as autarquias de Lisboa e do Porto já terem dito que não pretendem fazer uso do arrendamento forçado.
A ministra admite, contudo que se a eficácia da medida é posta em causa e se há instrumentos alternativos, que é neles que se deve trabalhar. “Se acharmos em conjunto, no debate do parlamento, que há instrumentos que conseguem mobilizar o património devoluto com maior assertividade do que aquele que nós apresentamos, estamos sempre dispostos a fazer essa discussão”, afirmou.
Estratégias Locais de Habitação avançam em 250 municípios
A ministra assinalou também que “todos” os 308 municípios do país estão a trabalhar nas Estratégias Locais de Habitação (ELH), no âmbito do programa 1.º Direito. Desse total, adiantou, 250 já têm as ELH “em execução, em projeto ou em obra”, número representa pouco mais do que os 242 que já o tinham feito há dois meses, quando o Governo fez o último balanço.
Mas, a ministra sublinha que “a maior parte” dos restantes 58 municípios está “mesmo em fase final de aprovação” das estratégias.
Os municípios identificaram, até agora, cerca de 67 mil famílias a viverem em condições indignas. As Estratégias Locais de Habitação assentam “em mais de 40%” na reabilitação do parque habitacional dos municípios, “muito dele devoluto porque não havia fontes de financiamento”, contabiliza a ministra.
Marina Gonçalves regista também “um avanço muito positivo” no número de proprietários privados que querem reabilitar devolutos. “Temos várias centenas de proprietários privados que já apresentaram candidaturas no IHRU [Instituto da Habitação e Reabilitação Urbana]”, disse
Arrendar para subarrendar deverá atingir 300 contratos na 1.ª fase
Os primeiros protocolos e contratos no âmbito do arrendar para subarrendar devem ser assinados ainda este mês e a expectativa da ministra da Habitação é de que seja possível atingir os 300 contratos este ano.
“O nosso objetivo é ainda este mês assinar os primeiros protocolos e os primeiros contratos de arrendamento e aquilo que esperamos este ano (…) é, nesta primeira fase, (…) 300 contratos de arrendamento”, disse a Marina Gonçalves à Lusa.
Nem todos correspondem a casas prontas a habitar, havendo nestes contratos de arrendamento frações que estão em obra, mas reiterou que o objetivo é ter esta “margem de solução” até ao “final do ano”.
O arrendar para subarrendar consta do programa Mais habitação, cuja proposta se encontra em discussão no parlamento, com Marina Gonçalves a precisar que esta, tal como as outras medidas, não deve ser vista de forma isolada.
“Cada uma destas medidas representa mais uma habitação, mais um apoio público, mais uma garantia de habitação para as famílias”, precisa a titular da pasta da Habitação, acentuando que o objetivo com todas as medidas é conseguir “o máximo de respostas a curto prazo”, até se ter “uma resposta robusta a médio prazo da habitação pública”.
Quantas mais casas transitarem do alojamento local, melhor
A ministra da Habitação não tem previsões sobre o número de casas do alojamento local que possam sair desta atividade para o arrendamento habitacional, mas afirma que “quantas mais forem, melhor”, pois todas ajudam na resposta ao problema da habitação.
“Temos cerca de 70 mil apartamentos no alojamento local, no país todo […]. Se [uma parte deles] pudessem ser mobilizados para a habitação, era uma grande ajuda para aquela que é a emergência e a urgência da resposta habitacional”, sublinha. “Quantas mais vierem deste número, melhor resposta teremos no mercado habitacional, nesta modalidade de apartamento”.
O programa Mais Habitação contempla incentivos fiscais, determinando que quem mude uma casa do alojamento local (AL) para o arrendamento fique isento de IRS nas rendas durante vários anos, não tendo também limites na definição do valor da renda. Por outro lado, nas zonas de pressão urbanística, o AL será sujeito a uma contribuição extraordinária de 20% – que incide sobre uma parte do rendimento gerado e cujo cálculo tem em conta os valores médios do arrendamento e da receita do imóvel.
O objetivo desta medida é, precisa a ministra, criar incentivos que mobilizem e não obrigar à mudança. “Não estou a obrigar, não estou a acabar com o alojamento local, não estou a obrigar a transitar para o arrendamento, estou a criar um incentivo para dizer: é apelativo o arrendamento”, acentua.
Mais de 90% do investimento dos vistos gold é no imobiliário
Sobre os vistos ‘gold’ e nomeadamente a reivindicação das regiões autónomas de ficarem de fora das novas limitações contempladas no Mais Habitação, Marina Gonçalves considera que, com a proposta do Governo em discussão no parlamento, esta é a fase “de ouvir todas as propostas”.
Salienta, contudo, que mais de 90% dos investimentos dos vistos ‘gold’ é no imobiliário, o que acaba por ter um efeito indireto no mercado habitacional “porque faz aumentar, obviamente, o custo da habitação”, como refere o relatório que mediu o impacto destas autorizações de residência.
“Não queremos com isto desincentivar o investimento no país, pelo contrário, mas já temos uma política de vistos geral, um regime geral de atribuição de vistos que assenta também no investimento”, precisa a governante, lembrando que esta é uma discussão que está a ser feita um pouco por toda a Europa.
Governo pondera linha bonificada para cooperativas
O Governo ainda está a desenhar a linha de financiamento para as cooperativas, “mas a ideia é que seja bonificada”, disse a ministra da Habitação, que reconhece entraves no acesso ao financiamento e ao crédito por parte das cooperativas.
“Estamos a trabalhar com o Banco de Fomento numa linha de financiamento sustentável, mais duradoura, em função dos projetos, que permita responder às cooperativas enquanto projeto” coletivo e não individual, “de cada cooperante”.
“Ainda estamos a definir o modelo, mas a ideia é que seja uma linha bonificada pelo Estado, para permitir essa sustentabilidade”, adianta, recordando o exemplo recente de dois terrenos do Estado colocados a concurso que “ficaram desertos, precisamente pela dimensão de financiamento” e pela “incapacidade das cooperativas” de acederem a esse financiamento.
Questionada sobre a hipótese de as cooperativas poderem propor terrenos públicos a projetos, a ministra disse que “a ideia é conjugar várias dimensões”: mobilização de terrenos públicos para aquele fim habitacional, linha de financiamento e capacitação do setor cooperativo.
O Programa Mais Habitação propõe o reforço fiscal e da linha de financiamento das cooperativas, incluindo uma verba de 250 milhões de euros para os setores privado e cooperativo, mas desconhece-se a parte que será aplicada especificamente às cooperativas.
PS tem responsabilidade na falta de oferta pública
O Partido Socialista (PS), a governar desde 2015, tem a sua quota de responsabilidade na falta de construção e oferta de habitação pública, reconhece a ministra da Habitação.
“Nunca dissemos o contrário. (…) Vamos com um atraso de décadas. Ao falar de um atraso de décadas, todos nós devemos ser responsabilizados pelo que não fomos fazendo ao longo do tempo”, sublinha Marina Gonçalves.
O Programa Especial de Realojamento – criado há 30 anos para erradicar as barracas nas zonas de Lisboa e Porto – foi “muito importante”, mas “não deixou de ser um programa temporário, porque era para uma necessidade em concreto, era para duas áreas metropolitanas, e não para o país como um todo, e não tinha esta visão de olhar para a habitação como um pilar do Estado social”, destaca a ministra.
É preciso agora, defende, “olhar para a habitação como para a educação e a saúde” e construir “uma política universal”, realçando, porém, que este é “um trabalho que demora também o seu tempo a concretizar-se estruturalmente na sociedade”.
O parque habitacional público de Portugal é dos mais baixos da Europa, com 2%, face à média europeia de 12% e que compara com países que chegam aos 20% e 30%, como a Holanda.
Quando Marina Gonçalves era secretária de Estado (e Pedro Nuno Santos ministro das Infraestruturas e Habitação), o Governo anunciou o objetivo de aumentar o parque público habitacional dos atuais 2% para 5% nos próximos anos.
Propostas do setor e da sociedade tiveram “repercussão”
A ministra da Habitação diz que leu o manifesto Casa para Viver, que junta mais de cem organizações, e garante que as propostas da sociedade civil e do setor tiveram “alguma repercussão” nas medidas do Governo.
Questionada sobre o aumento da contestação social em relação à crise na habitação, Marina Gonçalves realça que “é importante, da mesma forma que o setor do alojamento local se mobilizou, que os proprietários se mobilizaram, que os inquilinos se mobilizam, que a sociedade civil se mobilize também”.
O movimento Casa Para Viver, que levou às ruas de sete cidades portuguesas milhares de pessoas pelo direito à habitação, anunciou um novo protesto para 22 de junho, em Lisboa.
“Não temo [o novo protesto], de todo. Acho que é não apenas saudável, mas importante também”, assinala a ministra. Além disso, “muitas das propostas que foram apresentadas ao longo do tempo” tiveram “alguma repercussão nas mudanças” que o Governo aplicou às medidas, garante, considerando que a contestação e o debate são “importantes para a política pública”.
O problema da falta de acesso de “muitas famílias” a uma habitação digna “existe mesmo”, ressalva, notando que “é normal que as pessoas reivindiquem os seus direitos”.
Ministra rejeita acusações de falta de diálogo
No debate sobre o Mais Habitação, que, em 19 de maio, foi aprovado na generalidade mo parlamento, com o voto favorável do PS, Marina Gonçalves garantiu, como já tinha feito anteriormente, que o Governo estava aberto ao diálogo e a contributos de todos. Porém, o PS chumbou todos os projetos de lei da oposição (10).
A ministra recusa a crítica de falta de diálogo.
“A proposta que apresentámos em 16 de fevereiro e a proposta que levámos ao parlamento teve uma grande evolução nas medidas, mas também na forma como desenhamos as medidas”, reage.
O chumbo do PS – realça a ministra – “não significa sequer que aquelas propostas todas no seu conjunto não possam depois ter uma dimensão de proposta de alteração no âmbito da discussão na especialidade” na Assembleia da República. “É um processo em contínuo”, vinca, admitindo acolher as propostas que “contribuírem para o objetivo de mais habitação”.