Habitação
Habitação: Valor necessário para dar de entrada para uma casa duplicou em cinco anos
Julho 27, 2023 · 9:35 am
Imagem de KamranAydinov no Freepik
O dinheiro necessário para dar de ‘entrada’ numa casa em Lisboa e no Porto praticamente duplicou entre 2017 e 2022, segundo um estudo da Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS) que avisa ser “provável” manter-se a degradação do acesso à habitação.
O ‘policy paper’ hoje divulgado, da autoria de Rita Fraque Lourenço, Paulo M. M. Rodrigues e Hugo de Almeida Vilares, é o primeiro de uma série que a FFMS divulga e em que atualiza o estudo lançado em 2021 onde eram traçados o retrato do mercado imobiliário em Portugal e a sua evolução.
Subida de preços das casas supera aumentos salariais
Com a subida do preço das casas a superar os aumentos salariais, as famílias enfrentam cada vez mais dificuldades no acesso ao mercado habitacional, tendo visto o “rendimento necessário para adquirir uma habitação” aumentar “consideravelmente nos últimos anos”.
Segundo o documento, o capital inicial necessário para dar de ‘entrada’ numa casa mediana aumentou de cerca de 30 mil para 56 mil euros no concelho de Lisboa, e de 16 mil para 37 mil no concelho do Porto, entre 2017 e 2022.
Além disto, para que um casal consiga hoje comprar uma casa mediana na freguesia mais barata de Lisboa ou do Porto é necessário que as duas pessoas atinjam pelo menos o percentual 60 da distribuição de rendimentos dessa zona geográfica, quando em 2017 esta mesma casa era acessível para um agregado no percentil de 40.
Jovens têm dificuldades acrescidas
A conjugação da evolução dos preços com a necessidade de ter uma entrada leva os autores do estudo a notar as dificuldades acrescidas que os jovens enfrentam no acesso a habitação, ainda que possam beneficiar de prazos de empréstimos mais longos.
“Assim, é teoricamente possível que um agregado familiar jovem cumpra os requisitos de rendimento para contrair o empréstimo necessário, mas não tenha a poupança necessária para a entrada, e que passados alguns anos possa ter já poupança disponível, mas já não cumpra os requisitos de rendimento, num processo que o mantém mais afastado da possibilidade de aquisição”, assinala o documento.
Além disso, os rendimentos dos jovens são muitas vezes inferiores aos rendimentos do geral da população da zona geográfica que pretendem habitar, o que torna particularmente difícil que atinjam os percentis de rendimentos requeridos.
Evolução mais suave no arrendamento
No arrendamento as coisas não ficaram mais fáceis, mas os autores do estudo referem que, mesmo assim, se registou “uma evolução mais suavizada” em termos de acessibilidade, entre 2018 e 2022.
Porém, se o inquilino for um agregado composto por apenas uma pessoa a trabalhar (uma família monoparental, por exemplo) “a situação é significativamente pior”.
“No computo geral, assistiu-se a uma degradação da acessibilidade à habitação”, aponta o estudo, salientando que hoje “é significativamente mais difícil entrar no mercado tanto de arrendamento como de aquisição do que era há cinco ou seis anos, mesmo quando se olha para as localizações mais baratas nas áreas metropolitanas ou nas cidades de Lisboa e Porto”.
É que, a par do agravamento dos requisitos de rendimento, as poupanças necessárias para aquisição duplicaram em muitos casos, exigindo um esforço de vários anos de acumulação de capital, e as próprias avaliações bancárias, mais prudentes, “impactam decisivamente nesses valores”, pelo que hoje “um jovem (ou casal), para adquirir ou arrendar casa, tem de estar inserido com muito sucesso no mercado de trabalho, e no caso de aquisição, ser capaz de acumular poupanças a um ritmo acelerado, ou obter financiamento particular, muitas vezes proveniente do seu contexto familiar”.
Situação deve continuar a degradar-se
O problema no acesso à habitação requer repostas de médio e longo prazo, que devem começar já a ser aplicadas, sendo que perante a gravidade do problema, exigem-se também, defendem os autores do estudo, medidas de curto prazo de apoio à acessibilidade do lado da procura, dirigidas às famílias em situação mais fragilidade.
É que, sublinha o estudo, “no imediato, é provável que a situação se continue a degradar”, sendo que políticas do lado da procura “têm custos elevados, têm um efeito multiplicador da despesa pública em investimento habitacional demasiado baixo, sendo globalmente pouco eficientes, equitativas e eficazes”.
Medidas de controlo de rendas devem ser temporárias
As medidas que visem o eventual controlo das rendas devem ser temporárias e circunscritas às atualizações e combinadas com subsidiação para evitar efeitos negativos, consideram os autores.
Detendo-se sobre as estratégias de habitação que Portugal pode adotar para facilitar o acesso ao mercado habitacional, o estudo acentua que o país está numa “situação difícil” em termos de acessibilidade à habitação, que exige uma abordagem integrada de curto, médio e longo prazo.
Neste contexto, considera que respostas como o eventual controlo das rendas deve ser “de curta duração”, circunscrito a limitação de crescimento de rendas, e complementado com um regime flexível de apoio aos arrendatários a implementar no médio prazo.
“Preocupa-nos em particular a adoção de controlo de rendas, dados os impactos de médio prazo descritos na literatura”, escrevem os autores do estudo, referindo que, “sendo o risco de efeitos negativos particularmente elevado, a ser equacionada a sua introdução, deve sê-lo no contexto de um pacote de medidas coeso e temporalmente previsível e confiável”.
“O controlo de rendas, a existir, deve ser temporário e sobre atualizações (inclusive intercontratos), que combinado com subsidiação deve providenciar um alívio efetivo da acessibilidade à habitação”, afirmam.
Restrições à aquisição podem não surtir efeito
Restrições do lado da procura, nomeadamente ao alojamento local e à compra de casas por estrangeiros podem também não surtir os efeitos desejados, consideram.
“Possíveis restrições à aquisição ou ao arrendamento por estrangeiros que o Estado português poderia implementar não afetam o universo maioritário deste segmento da procura, e teriam previsivelmente um impacto muito reduzido”, referem, considerando, contudo, que o regime fiscal de que estas pessoas beneficiam deve de ser repensado.
Neste contexto afirmam, porém, que “importa repensar o valor económico obtido pela fiscalidade mais favorável atribuída a cidadãos estrangeiros no regime de residente não habitual”.
Entre 2009 e 2020, beneficiaram do programa fiscal dirigido aos residentes não habituais, que atribui a estes cidadãos vantagens na forma como os seus rendimentos são tributados (permitindo-lhes pagar uma taxa de IRS de 20% sobre os rendimentos de trabalho ou de 10% no caso de pensões, durante 10 anos) 51.903 cidadãos, com a despesa fiscal associada a ascender a 1.210 milhões de euros em 2021.
Investimento de estrangeiros em imobiliário foi 13% do PIB em 2022
Dados do estudo indicam que o investimento em imobiliário de estrangeiros representava 13% do PIB em 2022, aumentando face aos 4% do PIB observados em 2008, com os chamados vistos ‘gold’ a representarem uma pequena parte destes valores.
Entre 2012 e 2022 foram atribuídos cerca de 10.600 daqueles vistos ‘dourados’. Já o visto atribuído aos chamados nómadas digitais “atraiu 26.525 cidadãos entre 2018 e abril de 2023”.
Entre as estratégias para responder ao problema da acessibilidade à habitação o estudo aponta a expansão da oferta e o aumento da sua elasticidade, o planeamento da expansão das cidades garantindo sistemas de transportes sustentáveis e serviços públicos e apoios temporários às famílias em situações economicamente mais difíceis.
Fonte: Lusa