Habitação
Habitação: a crise que já existia mas piorou
Julho 18, 2023 · 10:18 am
Imagem de Diana.grytsku no Freepik
A crise na habitação não é de agora, mas agravou-se no último ano, levando o Governo a adotar um pacote de medidas para responder à emergência, algumas das quais fortemente contestadas, no parlamento e nas ruas.
O cenário parece piorar a cada dia que passa: os preços das casas disparam, há famílias despejadas e forçadas a subarrendar, jovens a regressarem à casa dos pais, população sem-abrigo a aumentar.
Face à crise habitacional, o Governo apresentou em 16 de fevereiro um pacote de novas medidas que logo gerou um coro de críticas.
Com a preocupação de responder “com urgência” ao problema, o executivo isolou as medidas que podia aprovar mais rapidamente, por decreto-lei, das que teriam de ser submetidas ao crivo dos deputados da Assembleia da República, processo que culminará apenas nesta quarta-feira, com a votação final global do programa Mais Habitação em plenário, na véspera do debate do estado da nação.
Governo avança com apoios ao crédito e rendas
Logo em 16 de março, avançaram os apoios ao crédito à habitação e às rendas.
O apoio automático à renda, que abrange atualmente 180 mil famílias, tem um valor máximo de 200 euros mensais e é destinado a inquilinos com taxa de esforço igual ou superior a 35% e rendimentos coletáveis até 38.632 euros (6.º escalão de IRS).
Simultaneamente, foram adotadas medidas para mitigar o risco de incumprimento no pagamento dos créditos à habitação, entre as quais uma bonificação de juros dirigida a pessoas com uma taxa de esforço igual ou superior a 35%, até um máximo de 720,65 euros por ano.
Mais Habitação gera polémica
As restantes medidas do Mais Habitação constam das duas propostas de lei debatidas na Assembleia da República – na generalidade e na especialidade – e que agora serão votadas.
É difícil escolher uma como a mais polémica: do arrendamento forçado de devolutos à suspensão de novas licenças para alojamento local ou ao limite à subida das novas rendas, foram muitas as críticas, quer dos partidos da oposição, quer do setor.
O Governo foi tentando situar as medidas, recordando que algumas, como as obras coercivas em casas devolutas, existem nas políticas de habitação há mais de 20 anos. Porém, essa possibilidade nunca foi verdadeiramente um recurso – e agora, tendo em conta a oposição já assumida, por exemplo, pelos municípios de Lisboa e Porto, também não será.
Nas idas ao parlamento, a ministra da Habitação, Marina Gonçalves, mostrou abertura para acolher propostas, mas, na prática, o Governo cedeu pouco e o PS ainda menos, aprovando, sozinho, a generalidade das medidas, que acomodaram poucas propostas de alteração da oposição.
Pacote legislativo com custo previsto de 900 ME
O pacote do Governo tem um custo estimado em 900 milhões de euros, mas o valor deverá ser mais elevado, já que os apoios à renda vão custar 430 milhões de euros, em vez dos 200 milhões inicialmente estimados.
Sabendo o tempo que isso demora, o Governo está focado em aumentar a habitação pública, mas Portugal corre contra o prejuízo, partindo de 2%, quando a média europeia é 12%.
Por outro lado, os fundos do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) representam uma oportunidade única para responder à crise.
Quase 84% dos municípios já estão a desenvolver Estratégias Locais de Habitação, no âmbito do programa 1.º Direito, criado em 2018 para encontrar soluções para famílias com carências habitacionais, que serão financiadas pelo PRR, com 1.200 milhões de euros, até 2026.
Taxas de juro pressionam famílias
Em paralelo, o último ano tem sido marcado por subidas sucessivas das taxas diretoras do Banco Central Europeu, movimento que se reflete nas taxas Euribor e, consequentemente, no valor da prestação do crédito da casa, uma vez que cerca de 90% das famílias portuguesas contraíram empréstimo a taxa variável.
As Euribor têm registado sucessivas subidas, atingindo valores máximos que não eram sentidos desde 2008.
Para fazer face à rápida subida dos juros, o Governo aprovou um diploma (para vigorar até final de 2023) que enquadra as condições em que os bancos devem propor aos clientes uma renegociação do crédito, de forma a evitar situações de incumprimento, e milhares de clientes já estão em processo de reapreciação.
Nova lei acaba com vistos “gold”
Com a entrada em vigor da nova lei, não serão concedidos novos vistos ‘gold’, revogação que não se estende aos pedidos que já deram entrada nem à renovação das autorizações já concedidas.
As limitações ao alojamento local também foram recebidas com forte contestação, com a maior associação do setor a alertar para o impacto numa atividade que emprega 50 mil famílias.
As novas licenças de alojamento local vão ser suspensas até 31 de dezembro de 2030, com exceção de duas centenas de concelhos do interior, as atuais licenças serão sujeitas a reapreciação em 2030 e o negócio pagará uma contribuição extraordinária.
A crise na habitação uniu a sociedade civil na plataforma Casa Para Viver, que respondeu às medidas do Governo com uma manifestação, em 01 de abril, com milhares de pessoas nas ruas de sete cidades do país. O próximo protesto está marcado para 30 de setembro.