A garantia pública no crédito à compra de casa por jovens ainda levanta muitas dúvidas, quando o Governo continua sem divulgar mais informação e o Banco de Portugal pede cuidado para não criar instabilidade em bancos e clientes.
A garantia pública para viabilizar o financiamento bancário na aquisição da primeira habitação por jovens já fazia parte do programa eleitoral da Aliança Democrática (coligação PSD, CDS-PP e PPM) para as legislativas de 10 de março e, em maio, já com Luís Montenegro como primeiro-ministro, o Governo aprovou essa medida em Conselho de Ministros e disse que a quer ter em vigor em 01 de agosto.
Contudo ainda não é conhecido o decreto-lei aprovado e outros diplomas de regulamentação da medida.
A garantia pública destina-se a jovens até aos 35 anos e com rendimentos até ao 8.º escalão do IRS (81.199 euros de rendimento coletável anual) e aplica-se a casas de valor até 450 mil euros. O Estado irá garantir até 15% do valor de aquisição do imóvel e pretende criar condições para que os jovens consigam aceder a um empréstimo até 100% do valor da casa.
Governador do BdP deixa alerta
Este é um dos pontos que fez levantar os alertas do Banco de Portugal, tendo já o governador, Mário Centeno, afirmado várias vezes que a medida tem de ser legislada e regulamentada de forma cautelosa os bancos não podem aliviar o cumprimento das regras de concessão de crédito à habitação.
As regras macroprudenciais atualmente em vigor determinam que o crédito não pode ir além de 90% do valor da casa (sendo, para este feito, considerado o valor mais baixo entre o valor de aquisição e o valor da avaliação) de habitação própria e permanente. Indicam ainda a que, em regra, um cliente não deve despender mais de 50% do seu rendimento na prestação da casa ao banco (a chamada taxa de esforço).
“A recomendação macroprudencial é para ser levada muito a sério, mesmo muito a sério”, disse Centeno em conferência de imprensa no dia 28 de maio.
Em 07 de junho, novamente aos jornalistas, o ex-ministro das Finanças (Governo PS, liderado por António Costa) explicou que o Banco de Portugal é sempre favorável a medidas que ajudem a população mais jovem a aceder a habitação, mas que é preciso “cautela” pois há que assegurar tanto a estabilidade financeira da banca como que os clientes conseguem pagar a dívida.
“Se o montante [do crédito] aumenta e se rendimento não aumenta significa que há maior possibilidade de as pessoas excederem o rácio do serviço da dívida” face ao rendimento, avisou.
Analistas destacam falta de oferta de casas
Segundo os analistas contactados pela Lusa, a garantia pública tem aspetos positivos apesar de incorrer em alguns riscos, consideram, defendendo mais atuação do lado da oferta de casas.
O analista da corretora XTB Henrique Tomé considera que a medida “alivia (muito) o esforço financeiro dos jovens” ao comprarem a habitação própria, mas acrescenta que, ainda assim, para muitos o valor das prestações será ainda elevado, tendo em conta o alto preço das casas e o financiamento de que necessitam.
Considerou mesmo que haverá “muitos agregados que não conseguirão pagar o valor das prestações sem se colocarem numa situação financeira apertada mesmo com esta ajuda por parte do Estado”.
Para Henrique Tomé esta medida incorre ainda em outros riscos, “como a dependência de apoios do Estado das famílias” e considerou ainda que, se não for bem ajustada, “pode beneficiar desproporcionalmente os jovens com rendimentos mais altos que têm maior capacidade de se comprometer com um crédito”, em vez de apoiar quem realmente necessita.
Medida pode levar a aumento dos preços
Para o economista sénior do Banco Carregosa, Paulo Monteiro Rosa, a garantia pública no crédito à habitação permite “a muitos jovens sem poupança superarem a atual exigência dos bancos de 10% de entrada na compra de casa” e beneficiarem de um financiamento a 100%, ficando o Estado fiador de 15% (sendo acionado pelo banco em caso de incumprimento).
Contudo, considera que “sem uma atuação também do lado da oferta”, desde logo incentivando as construtoras civis a aumentarem significativamente o parque habitacional (que considera o principal problema da subida dos preços), a medida “pode perder eficácia”. Também Henrique Tomé afirmou que a medida não combate o facto de os preços das casas estarem muito altos para o rendimento médio nacional e o desequilíbrio entre oferta e procura.
A falta de casas é referida por todos os analistas contactados pela Lusa.
O economista da Deco, Nuno Rico, considerou que, no atual momento de crise da habitação, qualquer medida é positiva. Ainda assim, pode não chegar a todos os que querem beneficiar, alertou, pois perante os altos preços das casas e os baixos salários (três em cada quatro pessoas até 35 anos ganham menos de 1.000 euros líquidos), o comprador pode não ter capacidade de cumprir os critérios de taxas de esforço (em geral, não deve despender mais de 50% do rendimento mensal com a prestação da casa ao banco). Para uma casa de 200 mil euros estimou que a prestação supere os 900 euros mensais.
Nuno Rico alertou ainda para o risco de sobreendividamento e haver jovens que avancem para a compra quando prefeririam arrendar. O economista considerou que para pessoas jovens que ainda estão a entrar no mercado de trabalho, com instabilidade laboral, estar já a comprar casa pode ser passo muito precoce e que deveria ser estimulado o mercado de arrendamento para essa poder ser a opção.
Risco para bancos não é significativo
O presidente da IMF – Informação de Mercados Financeiros, Filipe Garcia, considerou que ainda falta conhecer muita informação e só aí a análise será mais clara. Ainda assim, considerou que políticas de fixação de jovens são bem-vindas, mas também que esta medida não deverá ser de grande alcance ainda que possa facilitar o crédito em alguns casos.
Além disso, disse, “tendo em conta a abrangência do problema da habitação pode ser discutível esta discriminação positiva a favor das pessoas que tenham menos de 35 anos”.
Sobre riscos para os bancos, consideraram os analistas, em geral, que tal não é significativo tendo em conta os bancos estarem mais sólidos, a evolução da economia, as baixas taxas de incumprimento no crédito à habitação e as garantias de que os bancos beneficiam (a do Estado e a hipoteca do imóvel). O principal risco advém de uma eventual queda dos preços do imobiliário.
O que falta saber, afirmaram, é como as regras macroprudenciais do Banco de Portugal (que obrigam os bancos a cumprir critérios no crédito à habitação) se conjugarão com a garantia pública, tal como alertou o Banco de Portugal.
Fonte: Lusa/ Redação