Derrubar uma estátua é uma arte quase tão antiga como a de a erguer. Nos últimos anos, foram muitas as estátuas que geraram polémicas, por diferentes motivos. Se as obras de arte expostas nos espaços públicos refletem os nossos valores enquanto sociedade, também as que são criticadas e vilipendiadas contam muito sobre um povo.
As estátuas e esculturas representam aqueles que escolhemos como heróis, os valores que enaltecemos, mas, por vezes, são também a ilustração perfeita das divergências que coabitam no espaço de um país.
As motivações das críticas são díspares: desde critérios estéticos, ao custo das obras, há argumentos morais, políticos, utilitários, artísticos. Tantas vezes é a convicção profunda que nos move, outras tantas é a mera ignorância. O debate é sempre positivo: quando um país se põe a pensar, revela-se a sua identidade.
Esculpidas para provocar: estátuas que geraram polémica
Amores de Perdição
A mais recente polémica envolve a estátua de Camilo Castelo Branco colocada no largo em frente à antiga cadeia da Relação do Porto. Representa um Camilo já envelhecido, envergando uma longa capa, num abraço a uma jovem mulher nua. A figura foi associada a Ana Plácido, o grande amor do escritor, talvez porque ambos cumpriram pena por adultério na cadeia da Relação.
Uma petição, subscrita por 37 ilustres signatários, exortou ao presidente da autarquia, Rui Moreira, a remoção da estátua da autoria de Francisco Simões. Pedem o “favor higiénico de se desentulhar aquele belo largo de tão lamentável peça e despejá-la onde não possa agredir a memória de Camilo”.
Esculpidas para provocar: estátuas que geraram polémica
Amores de Perdição
Não se percebe ao certo se a celeuma se deve apenas a questões estéticas, se à diferença de indumentária dos protagonistas, mas o autor garante que aquela mulher simboliza as mulheres de Amor de Perdição e não uma em concreto.
Com e sem roupa, a verdade é que a escultura já ocupa o seu lugar há 11 anos e a doação foi aprovada pelo município. Entre as petições contra e a favor da estátua, aguardam-se os próximos episódios desta novela camiliana.
Imagem da Câmara Municipal de Lagos
Esculpidas para provocar: estátuas que geraram polémica
Duas polémicas, um artista
João Cutileiro foi responsável por duas das obras que mais controvérsia causaram nas últimas décadas em Portugal. A sua visão de El-Rei D. Sebastião foi uma verdadeira pedrada no charco da ditadura. Inaugurada em setembro de 1973, em Lagos, estava bastante distante das esculturas convencionais.
Muitos consideraram que a estátua polémica, representando um rapaz frágil e efeminado, não dignificava o monarca. O escândalo foi tal que, se a Revolução dos Cravos não tivesse acontecido sete meses depois, talvez também a estátua se tivesse perdido algures em Alcácer-Quibir.
Esculpidas para provocar: estátuas que geraram polémica
Duas polémicas, um artista
O Monumento ao 25 de Abril voltou a trazer a obra de Cutileiro ao debate público. Inaugurado em 1997, o imponente tributo do artista à revolução ergue-se no topo do Parque Eduardo VII. É certo que ficou conhecido como o “Monumento do Pirilau”, mas apenas pelos espíritos mais obscurantistas ou sarcásticos. O autor assumiu a intenção fálica da escultura, mas um olhar mais criativo pode descobrir um cravo estilizado.
Aquando da recente visita do Papa Francisco a Portugal, um providencial restauro da obra retirou-a do Parque Eduardo VII para a instalação do altar-mor.
Esculpidas para provocar: estátuas que geraram polémica
O prometido é de bronze…
Em março de 2023, Vizela celebrou um quarto de século da sua elevação a concelho. Nas celebrações oficiais, foi descerrada uma escultura de António Guterres. A estátua de quase dois metros, feita em bronze, “contempla” o jardim Manuel Faria. Não se pense que o atual Secretário-geral das Nações Unidas é um filho da terra, para merecer tamanha homenagem: é assim que Vizela agradece uma promessa cumprida.
Bem sabemos que, infelizmente, são muitos os políticos capazes de eleitoralismos vãos, mas se, por cada promessa cumprida, erigirmos dois metros de bronze, é possível que o metal entre em escassez mundial.
Esculpidas para provocar: estátuas que geraram polémica
O prometido é de bronze…
Na campanha de 1993, António Guterres afirmou que, se fosse eleito Primeiro-Ministro, desbloquearia a elevação a concelho de Vizela. Cinco anos depois, cumpriu essa promessa e, por isso, nos 25 anos do concelho o atual executivo socialista considerou justa a celebração.
O que causou estranheza em Vizela não foi a homenagem propriamente dita, nem sequer o comprimento de calças com que o escultor decidiu “vestir” António Guterres. A população indignou-se com os 90 mil euros pagos pela obra, por ajuste direto, em tempos de crise.
Chabe01, CC BY 4.0 , via Wikimedia Commons
Esculpidas para provocar: estátuas que geraram polémica
Colonizar ou descolonizar, eis a questão
Quando foi inaugurada, em junho de 2017, no Largo Trindade Coelho, em Lisboa, a estátua do Padre António Vieira mereceu uma cerimónia com altas individualidades, discursos e aplausos. A iniciativa da Santa Casa da Misericórdia e a homenagem a “uma das maiores personalidades do pensamento” talvez não tivesse gerado tanta polémica se a abordagem fosse diferente.
Chabe01, CC BY 4.0 , via Wikimedia Commons
Esculpidas para provocar: estátuas que geraram polémica
Colonizar ou descolonizar, eis a questão
Contudo, a figura em bronze do Padre António Vieira erguendo a cruz, ladeado por três crianças ameríndias, talvez tenha parecido mais a glorificação do passado colonialista português do que da intelectualidade do homem. Diversos protestos e manifestações contestaram a obra e, três anos passados, em 2020, a obra foi vandalizada, pintada com a frase “descoloniza” e corações vermelhos no peito das crianças.
Esculpidas para provocar: estátuas que geraram polémica
Um busto com projeção mundial
Aquilo que nos apraz dizer sobre esta obra é que se um busto incomoda muita gente, uma estátua de corpo inteiro incomodaria muito mais. Felizmente, o autor desta homenagem a Cristiano Ronaldo optou por este exercício condensado que, ainda assim, conseguiu ser quase tão célebre como o modelo original.
Em março de 2017, o Aeroporto da Madeira recebeu o nome de Cristiano Ronaldo, contudo, a atenção da imprensa nacional e internacional ficou presa num pequeno grande detalhe: o busto feito por Emanuel Santos, um escultor autodidata que só teve 15 dias para terminar o trabalho.
Esculpidas para provocar: estátuas que geraram polémica
Um busto com projeção mundial
Não sabemos exatamente em que corrente artística se insere o autor desta versão expressionista do Ronaldo, mas certo é que, menos de um ano depois, o busto foi substituído a pedido da família do futebolista. Muitos dos grandes artistas sofreram com falta de reconhecimento e capacidade de compreensão da sua obra. Onde estará este busto daqui a cem anos? O tempo o dirá.
Esculpidas para provocar: estátuas que geraram polémica
A celebração dos nus
Desde os tempos mais longínquos, o Homem adorou divindades e celebrou conquistas erguendo monumentos fálicos. A profusão de menires e obeliscos não nos deixam esquecer que a História foi maioritariamente um exercício masculino. Mas se em Roma não há registo de queixas quanto à altura dos obeliscos, em Santa Cruz da Trapa, São Pedro do Sul, os nove metros da escultura “Foda dos Nus” causaram alguma polémica.
Imagem do site: Arte Dança Nua
Esculpidas para provocar: estátuas que geraram polémica
A celebração dos nus
O problema talvez não tenha sido exatamente a megalomania da obra, mas antes a sua temática livre. O título da peça é bastante autoexplicativo e o escultor Cândido Almeida assumiu em diversas entrevistas, dadas em 2022, que o seu objetivo era abrir consciências. A estátua, figurativa q.b., pode ser visitada no espaço Arte Dança Nua, um parque escultórico de 3 hectares que reúne obras do artista.